terça-feira, 2 de setembro de 2014

SEMINÁRIO 18 - MÓD. II - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CDC

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 2 - Seminário 18, de 28/8/2014
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CDC

1)               Quais são as espécies de desconsideração? Explique cada uma.

Cumpre inicialmente informar que o CDC – Lei nº 8078/90 - foi o primeiro diploma legal a se referir ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Outras leis, depois, adotaram expressamente tal instituto: o art. 34 da Lei nº 12.529/11 (Lei do CADE): art. 4º da Lei nº 9.605/98 (lei sobre o meio ambiente); e o art. 50, do CC/02.

São duas as espécies de desconsideração da personalidade jurídica: a direta e a inversa.

a)                 Desconsideração da personalidade jurídica direta: consiste em colocar de lado, episodicamente, a autonomia patrimonial da sociedade, possibilitando a responsabilização direta e ilimitada do sócio por obrigação que, em principio, é da sociedade. De acordo com o art. 28 do CDC e o art. 50 do CC a aplicação do instituto dependerá não apenas da existência de prejuízo econômico a terceiro, mas da configuração dos requisitos legais objetivos ou subjetivos.

A partir desses requisitos é que se faz distinção da denominada teoria maior com a teoria menor da desconsideração, a seguir explanadas:

A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica possui como regra desconsiderar a autonomia da sociedade nos casos em que for configurado que seus sócios agiram com fraude ou abuso, ou ainda que houve confusão patrimonial entre os bens da pessoa física e os bens da pessoa jurídica. Tal teoria é a adotada pelo art. 50 do CC e o art. 28 do CDC.

Para a teoria menor basta a mera comprovação da insolvência da pessoa jurídica, não se preocupando com o preenchimento de requisitos outros, presumindo-se o abuso de direito no uso da sociedade personificada. Esta teoria é a adotada pelo §5º, do art. 28, do CDC.

b)                 Desconsideração inversa da personalidade jurídica: Sua aplicação decorre de entendimento jurisprudencial e doutrinário, por meio de interpretação teleológica do art. 50 do CC, caracterizando-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador, desde que também preenchidos os requisitos legais do art. 28, do CDC e do art. 50, do CC.

2)               É possível desconsiderar-se a personalidade jurídica de empresa individual de responsabilidade limitada (Lei 12.441/2011)? E no caso de cooperativa ou associação? (neste caso quem será atingido pela medida?)

Resposta à primeira parte da questão 2 (É possível desconsiderar a personalidade jurídica de empresa individual de responsabilidade limitada (Lei 12.441/11?): Cabe destacar que a empresa individual não é suscetível à desconsideração da personalidade jurídica, porque não há distinção entre a pessoa jurídica e o empresário, nessa espécie empresarial,  só existindo divisão para fins tributários.  
Já para a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI – Lei 12.441/11) cabe a desconsideração da personalidade jurídica, porque a lei distingue o patrimônio da empresa do patrimônio da pessoa física, ao contrário, como dito, da empresa individual.

Resposta à segunda parte da questão 2 (E no caso de cooperativa ou associação? (neste caso quem será atingido pela medida?)): É possível a desconsideração da personalidade jurídica de uma cooperativa ou associação, na sistemática do CDC, visando à reparação civil, quando no exercício de atividade tipicamente empresarial elas se valham desse quesito para prejudicar consumidores.

Poderão ser atingidos, a depender do caso em concreto, os diretores ou responsáveis financeiros, cooperados ou associados que praticaram atos que tornaram a personalidade um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

3)               O consumidor que ostente um direito perante uma sociedade empresária, sabendo que ela já não dispõe de patrimônio suficiente para garantir-lhe o pagamento, pode ajuizar a ação contra os sócios, buscando responsabilizá-los? Ou deve ajuizar a ação contra a sociedade, buscando, depois, se for o caso, a desconsideração de sua personalidade, para o efeito de redirecionamento dos atos executivos contra os sócios?

A discussão proposta pela questão está centrada basicamente no momento de incidência da desconsideração da personalidade jurídica. O questionamento tal como formulado sugere a aplicação da regra prevista no § 5º do artigo 28 do CDC: “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”.

Cumpre observar que o dispositivo legal em evidência adotou a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, inexiste a exigência de qualquer requisito para sua aplicação (como desvio de finalidade ou confusão patrimonial), bastando a incapacidade da sociedade em honrar com seus compromissos. Esta conclusão decorre de intenso debate promovido no Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 279.273/SP, nos moldes do excerto da emenda a seguir colacionada:

“A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações.

Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).

- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.

- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.” (Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 04/12/2003, DJ 29/03/2004, p. 230)

A aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica depende de pronunciamento judicial, vale dizer, não pode o consumidor ingressar com a ação diretamente contra os sócios, uma vez que o pedido deve ser formulado em juízo e assim decidido pelo magistrado.

A prova da insolvência da sociedade, que permite a adoção da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, pode ser extraída no próprio curso do processo ou demonstrada pelo consumidor.

Finalmente, convém salientar que a desconsideração não implica na extinção da pessoa jurídica, mas uma espécie de suspensão episódica a permitir o avanço no patrimônio dos sócios para cumprimento de obrigações da sociedade.

4)               Na chamada “desconsideração inversa” ocorre ou não inclusão da sociedade desconsiderada no processo executivo? Por quê? Qual o meio de defesa reservado à sociedade?

Dependerá sobre como o juiz, na análise do caso concreto, admitirá a sociedade no processo, se como parte ou como terceiro:
- se for admitida como parte, o meio de defesa serão os embargos de devedor, e o sócio figurará como terceiro;
- se for admitida como terceiro, o meio de defesa serão os embargos de terceiro, e o sócio figurará como parte.

5)               Cada grupo deverá escolher um acórdão para debater a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica?

O acórdão proferido em agravo de instrumento nº 7.393.813-9, de relatoria do Des. Itamar Gaino, cuida da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica da empresa com base na teoria menor.
O Código Civil prevê no artigo Art. 50 que: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial; pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos/aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

Essa mesma ideia foi transferida para o Código de Defesa do Consumidor no “caput” do art. 28: “Art. 28 - 0 juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.” “A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.

Os dois dispositivos legais nos remetem a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica das empresas. Esta teoria tem por finalidade atingir os bens dos sócios da empresa quando ocorra abuso de direito, excesso de poder, confusão patrimonial e etc., visto que houve óbice criado pelos sócios a fim de fraudar o cumprimento obrigacional, tornando-os insolventes.

Por outro lado, a teoria menor tem como fundamento legal o disposto no §5º do art. 28 da lei consumerista: “§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”

Pra essa teoria, é requisito único para a desconsideração da personalidade jurídica quando esta for obstáculo para o ressarcimento dos danos experimentados pelo consumidor. Isto significa que, para o deferimento da desconsideração, não é necessário nenhuma das hipóteses previstas na lei civil, nem no próprio caput do artigo 28 da mesma lei, bastando a mera insolvência da empresa.

Portanto, temos que, no acórdão em análise, a teoria menor foi aplicada para benefício do consumidor, visto que as tentativas de bloqueio “on-line” se quedaram infrutíferas.