sábado, 28 de março de 2015

SEMINÁRIO 34 - MÓD. III - CONTRATOS RELACIONAIS

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 3 - Seminário 34, de 05/03/2015
CONTRATOS RELACIONAIS

1) Qual o conceito de “contratos relacionais”? Que elementos integram o chamado “contrato cativo”?  
R: Contratos relacionais são aqueles que por terem longa duração, envolvendo relações contínuas, complexas e duradouras, detêm cláusulas abertas que permitem revisões diante de contingências da dinâmica da vida, prevalecendo os vínculos de solidariedade, confiança e cooperação (Justiça Social). Sua fonte obrigacional é de natureza não promissória, relativizando o princípio do pacta sunt servanda, uma vez que as circunstâncias durante o curso do contrato podem de forma imprevisível.

Seus elementos integrativos são: atipicidade, massificação, longa duração (elemento tempo), complexidade, dependência por necessidade do contratante de continuação (elemento catividade), número de participantes, divisão do ônus, expectativa do consumidor.
2) Um contrato de seguro de vida renovado a cada ano pode ser qualificado como “contrato relacional”? (fundamentar). Dê outros exemplos de contratos relacionais. A seguradora pode negar-se a renovar um contrato de seguro de vida que vem sendo renovado há vários anos? (analisar a questão, a partir da teoria dos contratos relacionais e com suporte nos julgados enviados).
R: Sim, trata-se de um contrato relacional, caracterizado pela continuidade e catividade, em que o consumidor adquire uma relação de dependência com o fornecedor (no caso, seguradora de vida), a fim de garantir conforto ante a ocorrência de um evento futuro. Sabe-se que a atual sociedade vive uma relação de consumo de massa cada vez mais voltada para o fornecimento de serviços. Uma das marcas desta nova sociedade de serviços é certamente a ampliação da natureza dos contratos de consumo em relação aos contratos descontínuos.
Os contratos relacionais são de longa duração, pois regulam relações contínuas e duradouras, onde os termos da troca são cada vez mais abertos, e cativos porque prendem seus clientes através de fortes campanhas de propaganda.
Ensina Cláudia Lima Marques, citada por Luiz Felipe Ribeiro, quanto à catividade, devendo “ser entendida no contexto do mundo atual, de indução ao consumo de bens materiais ou imateriais, de publicidade massiva e métodos agressivos de ‘marketing’, de graves e renovados riscos na vida em sociedade e de grande insegurança quanto ao seu futuro”. (Ribeiro; Marques 2002, apud Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 2010).
Para a caracterização dos contratos como relacionais dois elementos essenciais devem compor este modelo, o tempo e a catividade, sendo este o diferencial, já que contratos de longa duração, já existem na relação contratual.
Outros exemplos de contratos relacionais: plano de saúde, previdência privada, seguro de veículo, turismo, Sistema Financeiro da Habitação, mútuo, título de clube, contratos bancários, contratos de cooperação tecnológica, contratos de adesão de serviço público de água, luz, telefonia (fixa e móvel), cartão de crédito.
A seguradora não pode negar renovação de um seguro de vida que vem sendo renovado há anos, porque ofende os princípios da boa-fé, da solidariedade social, da cooperação, da confiança, da lealdade, da segurança que orientam a interpretação dos contratos que regulam as relações de consumo.  O consumidor não espera que sua expectativa futura seja frustrada com uma decisão unilateral abrupta do fornecedor, porque para o segurado ele se encontra permanentemente garantido quanto à execução futura do contrato.
A norma consumerista dispõe de mecanismos para repelir a abusividade da dissolução unilateral do contrato de seguro se ocorrem fatos graves ou relevantes que impossibilitem a vigência da relação jurídica de consumo.  Isso porque, está em jogo, entre os princípios já citados, o da solidariedade social. O fornecedor deve se antecipar a tais acontecimentos, realizando cálculos atuarias, prestando informação ao consumidor sobre a possibilidade de reajuste do contrato.
O consumidor deve ser visto como um colaborador, um parceiro de longa data e não como cifras econômicas que podem ser desfeitas a qualquer momento sem levar em consideração o contexto social que representa, para o consumidor, um contrato cativo.

3) Quais os problemas dos contratos de longa duração? Como deve ser a interpretação das cláusulas? Que princípios devem atuar na execução dos contratos relacionais?
R: Os problemas dos contratos de longa duração estão ligados diretamente a situações supervenientes que podem ocorrer, tanto na esfera econômica como na própria alteração do objeto principal, o preço e suas condições. A sua revisão não se mostra ilegal pelas contingências gerais, no entanto, o magistrado deverá zelar pela coibição pelo abuso do excesso, pois o contrato relacional gera grande expectativa no consumidor.
As cláusulas devem ser interpretadas em favor daquele que figura na condição de vulnerável, no contrato de longa duração, especialmente nos contratos de seguro-saúde, onde é considerada abusiva a cláusula que estabelecer direito de rescisão unilateral pelo envelhecimento do segurado, sem direito à indenização à outra parte, através de simples pré-aviso.
Vários princípios norteiam esses contratos, tais como: dignidade da pessoa humana, boa-fé-objetiva, informação, lealdade, confiança, cooperação, solidariedade e justiça social.
Importante ressaltar que, em respeito aos princípios estatuídos na ordem constitucional (art. 4º, III), haverá a relativização do princípio da Pacta Sunt Servanda, caso a situação se revele excessivamente desfavorável ao consumidor.

4) Como permitir o equilíbrio contratual à luz do CDC nos contratos relacionais? (indicar as normas que disciplinam tal ponto).
R: O equilíbrio contratual nos contratos relacionais é alcançado sempre que obedecidos os princípios da boa-fé objetiva, da informação na alteração das cláusulas dinâmicas e, no caso em que ficarem excedidos os limites de uma relação equilibrada entre consumidor e fornecedor, sejam judicialmente revisadas as clausulas abusivas. Deve-se (i)repudiar práticas que modifiquem unilateralmente, sem a plena ciência do consumidor, cláusulas contratuais a ele desfavoráveis; (ii) anular disposições que contrariem a boa-fé, a confiança, a cooperação, a lealdade dos contratantes e (iii) praticar o exercício da razoabilidade na relação jurídica.

As normas que disciplinam esse tipo de relação são: Constituição Federal, Estatuto do Idoso, o CDC, o CC e outras normas que possam dialogar nos termos do art. 7º, do CDC. No tocante ao CDC, as principais normas aplicáveis a esse tipo de relação encontram-se dispostas no Capítulo VI – da proteção contratual, e visam à proteção do consumidor com relação aos princípios da informação e boa-fé, bem como em relação às práticas abusivas a que o consumidor está sujeito nesse tipo de contratação.  

sexta-feira, 27 de março de 2015

SEMINÁRIO 33 - MÓD. III - CONTRATOS DE TURISMO

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
Módulo 3 - Seminário 33, de 26/02/2015
CONTRATOS DE TURISMO

1)               Quais as principais obrigações da agência de turismo e dos hotéis de acordo com o CDC e a Lei nº 11.771/08?
R: As agências de turismo estão submetidas ao Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90), que regula as relações entre fornecedores e consumidores. Assim, ao realizarem a venda dos chamados "pacotes turísticos", as agências de turismo assumem uma clara posição de fornecedores de serviços, com todas as consequências jurídicas desse enquadramento, especialmente a de responder solidariamente pela falha ou defeito do serviço, em qualquer parte do programa turístico.
A solidariedade implica que todos os intermediários da cadeia de fornecimento de um produto ou serviço respondam por dano causado por apenas um deles, podendo o lesado escolher contra quem quer demandar. Se a empresa aérea não embarca o passageiro (em razão de overbooking) ou dá causa ao extravio de sua bagagem, se o hotel não honra a reserva ou se o espetáculo não acontece tal como previsto, tanto quem vendeu (intermediou) esses serviços ou organizou (operou) a excursão é responsável pela reparação dos danos causados ao turista (consumidor).
A relação entre as agências de turismo e os turistas/consumidores é uma típica relação de consumo, e, conforme as normas do CDC, elas possuem o dever de ressarcir eventuais danos ocasionados, ainda que decorram da conduta de outro fornecedor que faça parte da cadeia de prestação de serviços envolvida no "pacote turístico", em razão do princípio da solidariedade que permeia o fornecimento de serviços no mercado de consumo. Mesmo havendo um responsável pelo dano perfeitamente identificável, todos os integrantes da cadeia de fornecimento respondem solidariamente pela reparação dos prejuízos; apenas lhes fica assegurado o direito de regresso, isto é, o exercício posterior da ação regressiva contra o causador direto do dano. Por exemplo, se a agência de turismo é condenada a pagar por um prejuízo sofrido pelo consumidor durante a estadia num hotel, tem o direito de procurar reaver o que pagou em ação movida posteriormente contra o estabelecimento hoteleiro.
A lei 11.71/08 também disciplina, além de outras disposições, os deveres dos prestadores de serviço de turismo, de forma a obrigá-los a mencionar e utilizar, em qualquer forma de divulgação e promoção, o número de cadastro, os símbolos, expressões e demais formas de identificação determinadas pelo Ministério do Turismo; apresentar, na forma e no prazo estabelecido pelo Ministério do Turismo, informações e documentos referentes ao exercício de suas atividades, empreendimentos, equipamentos e serviços, bem como ao perfil de atuação, qualidades e padrões dos serviços por eles oferecidos; manter, em suas instalações, livro de reclamações e, em local visível, cópia do certificado de cadastro; e manter, no exercício de suas atividades, estrita obediência aos direitos do consumidor e à legislação ambiental, nos termos do art. 34.
2)               Como compatibilizar os artigos 1467 a 1472 do CC com as disposições do CDC em relação ao contrato de hospedagem e as bagagens?
R: O artigo 1467 e seguinte do Código Civil traz a garantia legal de penhor sobre bagagens, móveis, joias ou dinheiro de hóspedes em decorrência de débitos gerados por hospedaria ou fornecimento de pousada ou alimento. O artigo 1.469 traduz a ideia, ainda, de que o fornecedor deste tipo de serviço tem direito a retenção de um ou mais objetos acima indicados para garantir o valor da dívida.
Sob a ótica do CDC, não é possível compatibilizar essa disposição com o atual sistema de proteção ao consumidor.
Primeiro porque a lei 8078/90 veio para regulamentar uma vontade constitucional de tutelar o consumidor. Tal previsão, expressa no artigo 5º, diz que o estado promoverá a defesa do consumidor. Como sabemos, a Constituição Federal deve ser aplicada como um todo e essa disposição do Código Civil afronta diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana.
Em um segundo momento, é possível afirmar que a prática trazida no Código Civil incompatibiliza-se com a lei 8078/90, pois a prática de retenção configuraria cobrança vexatória, visto que o fornecedor tem meios jurídicos próprios de resguardar seu direito de receber por aquilo que prestou.
Nesse sentido, é possível discutir a legalidade e até a constitucionalidade da aplicação do penhor legal e do direito de retenção de bens do consumidor por parte do fornecedor.
3)               Responde a agência de viagem pela falha nas informações dadas por ela ao turista? É a agência de viagem responsável perante o consumidor, em decorrência do vício do serviço prestado durante a viagem (ex: atraso do voo? E pelo serviço ineficiente do hotel? E pelo serviço ineficiente do seguro viagem ou seguro saúde cuja contratação foi por ela intermediada)
R: A agência de turismo tem como uma de suas principais obrigações, senão a principal, fornecer as informações de forma adequada e precisa ao consumidor, visto ser ela a prestadora de um serviço que surge justamente pela informação que detém (pois é ela quem conhece o local, conhece os meios transportes necessários para chegada e saída, rotas, hotéis etc).
Com relação ao vício do voo e a ineficiência do hotel e do seguro, o grupo entende que há responsabilidade solidária entre a agência e os efetivos prestadores de serviço, visto que a principal caraterística da contratação de um serviço por meio da agência é garantir a organização da viagem, bem como o efetivo adimplemento do serviço contratado.
Isso porque a empresa turística ganha justamente por essa roteirização e assistência, já que os serviços podem ser contratados diretamente pelo consumidor com os prestadores diretos.
Para outra parte, não cabe as responsabilização das agências por ausência de nexo de causalidade entre a conduta desta empresa e a conduta da prestadora efetiva do serviço, porque esta que originou a lesividade.
Contudo, para rebater esse argumento é necessário lembrar que nas relações submetidas à aplicação da lei 8078/90 não há que se falar em nexo de causalidade direto, pois a cadeia de fornecedores é solidariamente responsável pelos danos causados ao consumidor. É exatamente essa a ratio legis do diploma consumerista, qual seja a de garantir o ressarcimento ao consumidor independentemente de quem foi o real ofensor.
Registramos, por fim, que dentro da cadeia de fornecedores caberá ação de regresso, visando ressarcir aquele que efetivamente pagou por aquele que casuisticamente causou o dano.
4)               É a operadora de turismo responsável pelo acidente de consumo causado pelo prestador do serviço (hotel, transporte, restaurante etc) por ela escolhido (analisar acórdão da Apelação nº 0006736-51.2010.8.26.0562, TJSP, rel. Des. EROS PICELI, julgado em 27.8.2012)?
R: Sim, a operadora de turismo é responsável solidária pelo acidente de consumo, nos termos do art. 7º, parágrafo único do CDC, porque indicou mal seus parceiros no pacote de turismo para prestador serviços aos seus consumidores.
A apelação interposta pela operadora de turismo teve o condão de diminuir o montante indenizatório a título de dano moral cuja decisão de primeiro grau julgou procedente o pedido do autor, condenando-a pelos danos materiais e morais.
Os fatos se deram da seguinte forma:
A operadora de turismo ofertou ao autor e à sua família, dentre outros itens no pacote de viagem, a realização de um jantar de gala de “réveillon” em famoso hotel em Quebec, Canadá, que não foi cumprido da forma contratada.
A solução dada pelo hotel foi em acomodar o autor e sua família numa biblioteca e, ali, numa mesa, preparar e realizar, improvisadamente, a refeição em comemoração ao ano novo. A família sentiu-se constrangida, pois esperava um suntuoso jantar de gala como o prometido na contratação do pacote. O dano moral restou confirmado pelo Tribunal, bem como mantido o montante indenizatório proferido na sentença em razão do constrangimento e da decepção suportados pelo autor.
Percebe-se que muito bem foram aplicadas as disposições do CDC quanto à solidariedade (art. 7º, parágrafo único, CDC), respondendo a operadora de turismo pelos prejuízos materiais e morais realizados por seus parceiros prestadores de serviços em face dos consumidores, pela má prestação de serviço, nos termos do art. 14, do CDC.
A condenação da operadora de turismo tem efeito pedagógico e punitivo no sentido de melhor avaliar seus parceiros para cumprimento de prestação de serviço aos seus consumidores. E, querendo, a operadora poderá ingressar com ação regressiva para discutir e melhor distribuir ou atribuir os danos que teve que arcar por ato praticado diretamente pelo hotel.
5)               É válida a cláusula contratual que prevê multa progressiva em caso de desistência do contrato de turismo pelo consumidor? (ex: se desistir até 45 dias da viagem – devolução)?
R: Entendemos que se a multa progressiva respeitar a proporcionalidade e a razoabilidade quanto aos prazos e ao percentual aplicado, essa cláusula não restará abusiva, desde que atenda aos requisitos do art. 46, do CDC, pois visa ressarcir eventual prejuízo do fornecedor pela rescisão do consumidor, muitas vezes, 24 horas antes da viagem. No entanto, referida cláusula deve reter um percentual razoável do total que foi pago pelo consumidor, sob pena de apropriar-se indevidamente do valor pago, sem que o consumidor usufrua da viagem.

Em que pese o entendimento de que a referida cláusula não se configura abusiva, acreditamos que seria mais seguro à compreensão do consumidor, a aplicação de uma multa num percentual fixo e não de forma progressiva, pois evitaria discussões acerca dos prazos e percentuais utilizados.

SEMINÁRIO 32 - MÓD. III - CONTRATOS ELETRÔNICOS

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 3 - Seminário 32, de 12/02/2015
CONTRATOS ELETRÔNICOS

1)                 Num contrato eletrônico no qual o consumidor expressa sua vontade por meio de um clique e o website está programado para responder positivamente, pode se falar em encontro de vontades? A qualificação jurídica seria de contrato (centrado na autonomia negocial) ou haveria um novo instituto jurídico? A legislação atual é suficiente para regulação desse novo fenômeno social (comércio eletrônico)?
R: O comércio eletrônico é uma realidade da qual não se tem como retroceder. As crianças já nascem no meio eletrônico e até negociam serviços, como o de jogos, fazem também aquisição de produtos, utilizando-se de senha e usuário dos pais.
Trata-se de um contrato eletrônico de adesão oriundo de uma relação de consumo estabelecida entre uma empresa virtual e o consumidor. As cláusulas vêm predispostas (impostas). Basta o consumidor aceitar com um clique no campo destinado a aceitação da adesividade contratual eletrônica para que haja o encontro de vontades.
Quando o CDC foi editado, em 1990, o comércio eletrônico sequer existia no Brasil. Em 2013 foi publicado o Decreto 7962/13 regulamentando o CDC no que tange à contratação no comércio eletrônico.
Embora o Código, juntamente com a dita regulamentação, seja de notável alcance nas áreas jurídica, administrativa, processual e penal mostra-se insuficiente para impedir ou atacar situações abusivas ou enganosas no comércio eletrônico de produtos e/ou serviços.
Por conta disso já foram aprovadas no Senado projetos de lei que pretendem atualizar o CDC. Um desses projetos, o Projeto de Lei do Senado nº 281 (PLS nº 281/12), dentre outros pontos, prevê que na contratação por meio eletrônico ou similar, o fornecedor deve enviar ao consumidor a confirmação imediata da aceitação da oferta, inclusive por meio eletrônico. Outro exemplo é a previsão de proibição do envio de mensagens eletrônicas não solicitadas caso não haja relação de consumo anterior com o fornecedor e o consumidor não tenha manifestado consentimento prévio em recebê-la, ou, pelo contrário, tenha manifestado ao fornecedor o interesse em não recebê-la.
2)                 Um contrato eletrônico de consumo firmado por uma criança de dez anos utilizando a senha do representante legal é valido? (justificar à luz do CDC e, se for o caso do próprio CC de 2002).
R: Contrato eletrônico é aquele onde duas ou mais pessoas utilizam a internet como meio para manifestar suas vontades e concluir um contrato.
Os princípios balizadores de tais contratos são, além daqueles aplicáveis aos contratos em geral, os princípios da equivalência funcional dos contratos eletrônicos com os tradicionais, neutralidade e perenidade das normas reguladoras do ambiente digital, conservação e aplicação das normas jurídicas existentes aos contratos eletrônicos e boa-fé objetiva.
O contrato presume a existência de agente capaz, ou seja, a pessoa que tem aptidão para realizar um negócio jurídico.
De outro modo, deve-se lembrar de que “eletrônico” é o meio pelo qual as partes escolheram para efetivar o contrato, tendo em vista que, em geral, a lei não exige forma específica, o contrato pode ser realizado sob qualquer forma, desde que não contrarie a lei.
O quesito da validade está diretamente ligado à segurança e estabilidade que se espera dos contratos no mundo jurídico. É a possibilidade de se valer daquele documento como prova processual ou como título representativo de uma obrigação.
Válido, portanto, é tudo aquilo que está de acordo com o ordenamento jurídico vigente e que atende aos princípios gerais do direito, à ética e à justiça sociais. Para avaliar tal validade, é necessário observar os elementos de validade dos contratos eletrônicos, os quais podem ser subjetivos, objetivos ou formais.
Os elementos subjetivos dizem respeito às características pessoas dos contratantes, ou seja, a capacidade das partes e o consentimento não viciado.
É válido o contrato realizado por pessoas capazes, assim consideradas pelo Código Civil, como os maiores de dezoito anos, desde que não estejam com as faculdades mentais comprometidas.
Assim, os atos praticados por um absolutamente incapaz são passíveis de nulidade, enquanto que os praticados por um relativamente incapaz estão sujeitos à anulabilidade, como se vê nos artigos 166, inciso I e 177, inciso I, ambos do Código Civil.
Tais normas têm por finalidade a proteção dos incapazes e, portanto, na prática, são relativizados os atos cotidianos praticados por estes, pois se presume a aceitação dos pais.
Porém, no que tange à contratação eletrônica, não se pode considerar como corriqueira a aquisição de produtos por menores através da Internet, tendo em vista apenas a facilidade de acesso e navegação. Deve-se analisar no caso em concreto se o ato praticado pelo incapaz era um ato em que se poderia presumir a aceitação dos seus responsáveis legais.
Vale ressaltar que a relativização da incapacidade para os atos corriqueiros é um caso excepcional que considera a realidade fática da situação. Assim, estão juridicamente sujeitos à anulação ou anulabilidade, desde que solicitada pelo representante legal.
O Código Civil traz a situação específica do menor que realiza um contrato ocultando a sua idade ou fazendo-se passar por agente capaz no art. 180, in verbis:
Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.
Depreende-se deste artigo que, ao menor aplicar-se-á o princípio da boa-fé e a máxima de que ninguém pode se beneficiar da sua própria torpeza, devendo seus representantes legais responder pelos prejuízos causados.
Por conta disso é que os sites de compras pela Internet trazem formulários onde é solicitado ao usuário o preenchimento de alguns dados pessoais, tais como data de nascimento e, ainda advertem que é proibida a contratação com menores de dezoito anos.
Concluímos neste caso, que apesar de ser necessário observar os requisitos de validade de um contrato, devemos levar em consideração o caso concreto e a forma como foi realizada a contratação, neste exemplo, o contratante apesar de ser uma criança de 10 anos, tinha acesso não só à internet como também à senha do representante legal, devendo o mesmo responder pela aquisição do contratante, mesmo sendo agente incapaz. Vale lembrar que já existem decisões neste sentido em nossos tribunais.
3)                 A) Nos contratos bancários eletrônicos, como se aferir a adesão do consumidor ao contrato – já que não há assinatura? B) De outra parte, como deveriam agir os fornecedores para poderem impor as cláusulas contratuais, especialmente limitativas do direito do consumidor (CDC, art. 54, §4°)? C) Como se interpretar o artigo 46 do CDC no contrato eletrônico? D) Se houver fraude na contratação de um empréstimo pela Internet, a responsabilidade será do banco (fornecedor) ou do titular da conta (consumidor)? E) A alegação de que a senha era de responsabilidade do consumidor é fundamento bastante para se identificar a culpa do último e se excluir a responsabilidade do banco? F) Numa operação de empréstimo eletrônico feito numa conta-conjunta, a responsabilidade é solidária entre os consumidores correntistas ou apenas de quem realizou o empréstimo? (analisar os acórdãos enviados, inclusive do TJSP).
R: A) Nos contratos eletrônicos a adesão do consumidor à prestação de serviços ou fornecimento de produtos pode ser auferida mediante procedimentos de segurança como: a) usuário e senha - nessa modalidade o consumidor fornece diversos dados pessoais, que garantem considerável certeza de que é realmente ele quem está os fornecendo e, a partir daí, cria-se um usuário e senha de uso pessoal e intransferível, de responsabilidade do consumidor, para assegurar a pessoalidade almejada; b) ICP-Brasil - certificado brasileiro de assinatura eletrônica, de uso pessoal e intransferível, sob a responsabilidade do usuário, que consiste em autenticar documento com uma assinatura eletrônica do usuário previamente cadastrado; c) biometria - método bem seguro de autenticação que consiste na leitura bioindividual (leitura de digital ou da íris) que garantem inequívoca certeza de que é o usuário que utilizou o serviço ou autenticou o documento. 
Os bancos se utilizam do método de login e senha, sendo o login os dados de agência e conta do consumidor e a senha um número previamente cadastrado, para contratação de serviços e para movimentação bancária. Contudo, mais recentemente algumas instituições vêm utilizando-se da biometria, principalmente com a leitura das digitais dos dedos ou da palma da mão. 
B) As cláusulas do contrato de consumo devem sempre, limitativas de direito ou não, constar nos contratos de forma clara, precisa e que facilite a compreensão do consumidor. Já as limitativas devem constar, além da forma já mencionada, com destaque, ostensivamente e de forma clara. Não obstante, cabe ao consumidor discutir o conteúdo das cláusulas que sejam abusivas, não sendo os contratos de adesão válidos pela simples concordância do consumidor.
C) Os contratos eletrônicos devem ser redigidos de modo a facilitar a compreensão de seu sentido e alcance, assim como os contratos não eletrônicos. Contudo, com relação à prévia disponibilização do conteúdo para ciência do consumidor, o fornecedor que utiliza o meio eletrônico deve apresentar os termos em tela anterior à contratação, inclusive devendo o consumidor dar o seu aceite antes da possibilidade de realizar a efetiva contratação. 
D) Em caso de fraude na contratação bancária pela internet por terceiros, deve haver a inversão do ônus probatório para que o fornecedor apresente as informações comprobatórias de que o consumidor, de alguma forma, contribuiu ou facilitou para que o fraudador tivesse acesso à transação. Do contrário, é de plena responsabilidade do fornecedor a garantia da prestação de um serviço de qualidade e que ofereça segurança ao consumidor.
E) Não, para que não haja responsabilização do consumidor deve haver demonstração de que ele de algum modo contribuiu para que terceiros tivessem acesso à sua senha. Pois, além da senha, existem outros métodos ilícitos de acessar o banco on line, sendo de responsabilidade do fornecedor desse tipo de serviço proporcionar a segurança adequada. 
F) A solidariedade nas obrigações não se presume. Ou decorrem de acordo entre as partes ou da lei. Na contratação de empréstimo por um dos correntistas na conta conjunta não há previsão legal acerca de solidariedade nesse tipo de relação. Se o contrato tiver previsão expressa, de forma ostensiva, clara, objetiva pode haver esse tipo de responsabilidade, mas apenas pela sistemática da conta conjunta não é possível configurar a solidariedade passiva entre os consumidores.
4)                 No “comércio eletrônico”, qual o papel do site que promove a intermediação (exemplo: “mercado livre”)? E quando ele faz a gestão do pagamento? Há responsabilidade solidária entre o referido site e o vendedor (fornecedor) do serviço pela não entrega? E no caso de vício? (analisar a partir dos acórdãos enviados).
R: O site de intermediação na internet exerce o papel de fornecedor (art. 3º, Caput, CDC), sendo responsabilizado pela divulgação de um produto ou serviço (art. 14, do CDC), não podendo se eximir de culpa quando há algum dano que o consumidor venha a sofrer, pois a gratuidade do serviço não desvirtua a relação de consumo (art. 3º, §2º, do CDC). Nesse contexto, o termo “mediante remuneração” deve ser amplamente considerado também nos ganhos indiretos, conforme o Resp. nº 1.308.830 – RS (2011/0257434-5/Relatora Min. NANCY ANDRIGHI). O Site “Mercado Livre” também atua como guardião da quantia paga pelo consumidor durante quatorze dias e age como intermediador nessa relação, informando ao fornecedor que a outra parte já efetuou o pagamento e, para isso, cobra taxas que variam de 2,99% a 9,99%, através de seu parceiro o (Mercado Pago). 

Sobre o Acórdão enviado para análise houve responsabilidade solidária entre o vendedor e o Site PagSeguro (art. 7º, Parágrafo único, CDC), pois houve vício por falta de informação clara e por inadequação (art. 6º, III, do CDC). Não basta o prazo de 14 dias para que o consumidor lance mão da ferramenta “disputa”, é necessário que ele tenha 14 dias para informar sobre algum vício a partir da data prevista informada pela vendedora, em que o bem deveria ser entregue, no caso, 45 dias. Não se pode olvidar que o site vende confiança e segurança e são esses valores que atraem o consumidor, pois permeiam qualquer relação de consumo.

SEMINÁRIO 31 - MÓD. III - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS NO CDC

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” - Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 3 - Seminário 31, de 05/02/2015
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS NO CDC

1) Merece distinção a figura do usuário do serviço em relação à do consumidor? Em que medida pode haver aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor à prestação de serviço público? Qual a posição encontrada pelas normas das agências reguladoras?
R: Para parte da doutrina, a figura do consumidor (usuário final de bens ou serviços derivados de relação privada), bem como a figura dos usuários (destinatários de bens ou produtos decorrentes de relação pública-privada, por exemplo, usuário de saúde pública, escola pública, rodovias estaduais pedagiadas), devem ser tratadas da mesma forma e merecem a mesma proteção consumerista.
Contudo, para parte majoritária da doutrina e jurisprudência o usuário de serviço público só será equiparado à figura do consumidor das relações privadas em decorrência de prestação de bens ou serviços de titularidade pública, mas prestadas por particulares e remuneradas mediante tarifas (ex. Água, luz, concessionárias de rodovias).
Se o serviço for de titularidade pública, prestado por ente público, seja da administração direta ou indireta, e remunerado indiretamente mediante impostos, não haverá configuração de relação de consumo, portanto inaplicável as regras de proteção e defesa do consumidor. Com isso, o CDC não será aplicável a essas relações públicas prestadas diretamente pelo Estado.

As normas das agências reguladoras devem encontrar posição neutra, não devendo diferenciar, tanto para privilegiar, quanto para prejudicar, nas suas regulamentações a prestações ou fornecimento de bens ou serviços pelos entes públicos ou privados. 
2) É correto falar em direitos e OBRIGAÇÕES do usuário de serviços públicos? Por quê? Qual a natureza jurídica da concessão de serviço público e como se estabelece a garantia do direito do usuário? Como pode ver reparado eventual direito lesado?
R: Considerando que o serviço público é considerado prestação de serviço, nos moldes do que estabelece o art. 3º, § 2º, do CDC, tem-se como inerente a este serviço a existência de direitos e obrigações de seus usuários. Além do direito ao serviço prestado de forma segura, adequada e eficiente, o usuário tem a obrigação de prestar as informações corretas a permitir que o serviço seja prestado de forma a atender suas necessidades, bem como fica incumbido de utilizar-se do serviço da forma devida, por exemplo, atentando-se aos requisitos e condições exigidos para uma modalidade específica.
Quanto à natureza jurídica da concessão de serviço público, se verifica a existência de duas vertentes: (a) relação entre usuário e a concessionária é de natureza contratual, privada; (b) entre as partes há uma relação de natureza jurídico-administrativa.
A posição intermediária prevalecente estabelece que a relação entre usuário e a concessionária é fundamentalmente regulamentária e minimamente contratual, tendo em vista o regime jurídico-administrativo que regula o serviço público e que vincula as partes. Contudo, esta circunstância não implica no reconhecimento imediato que entre a concessionária e o usuário de seus serviços existe uma relação jurídico-administrativa. Parte-se do pressuposto que, para existir uma relação desse tipo, deverá ocorrer uma intervenção direta da Administração.
Como já relatado, o usuário tem o direito à prestação adequada dos serviços, sendo certo que esta proteção tem origem nos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal. Associado a este ponto deve ser considerada a responsabilidade objetiva pela prestação dos serviços públicos, a qual independe da culpa, o que confere ao usuário final dos serviços o direito de reparação, a despeito da ausência de culpa bastando que o serviço tenha sido prestado de forma insuficiente ou ineficaz. Neste particular, o usuário pode se valer dos mecanismos processuais disponíveis para satisfazer a pretensão indenizatória.
3) No âmbito da responsabilidade objetiva dos prestadores prevista no CDC, tendo em vista a natureza de direito público e a forma delegada de prestação, poderia o Estado também responder em caso de dano ao usuário do serviço?
R: Sim! O Estado também poderá responder em caso de dano ao usuário de serviço público prestado na forma delegada.
Encontramos amparo no art. 3º do CDC ao incluir no rol de fornecedores a pessoa jurídica pública e ao definir “serviço” no §2º do mesmo artigo, dispondo que é qualquer atividade fornecida ao mercado de consumo, excetuando apenas os serviços sem remuneração ou custo e os decorrentes das relações de caráter trabalhista.
De acordo com o art. 22 do CDC, o Poder Público será enquadrado como fornecedor de serviço toda vez que, por si ou por seus concessionários, atuar no mercado de consumo prestando serviço mediante a cobrança de preço.
Assim, por exemplo, o Estado, quando fornecedor de serviço público de tratamento de água e esgoto, mediante pagamento de preço pelo consumidor, é fornecedor de serviços nos termos do CDC.
Do mesmo modo, os concessionários de serviços públicos de telefonia, que atuam no mercado de consumo através de contratos administrativos de concessão de serviços públicos, são fornecedores de serviços nas relações com os usuários e, consequentemente, devem observar os preceitos estabelecidos pelo CDC.
Como foi o Estado quem contratou as concessionárias poderá sim ser responsabilizado solidariamente porque contratou mal, nos termos do art. 20, do CDC, se se tratar de vício de serviço e, nos termos do art. 14, do CDC, se se tratar de defeito no serviço público. O Estado representa o consumidor nas contratações e, se não fez eficientemente, deve responder pelos atos de gestão juntamente com o prestador de serviço público por ela contratado.
A dificuldade será processual, uma vez que a competência para processar e julgar uma concessionária de serviços públicos seria do Juizado Especial Cível ou Vara Cível ao passo que as demandas contra o Estado são de competência da Vara da Fazenda Pública. Nessa hipótese, haverá separação do processo. Na prática, essa situação processual ainda não ocorreu no Judiciário, pois as demandas só são feitas trazendo no polo passivo a prestadora de serviço público.
4) Quais são os serviços ditos essenciais? No que consiste o princípio da continuidade do serviço público, onde está consagrado e como vem sendo interpretado? É considerada legal a suspensão do fornecimento de energia elétrica na hipótese de inadimplemento do usuário?
R: Na inteligência do art. 10, da Lei nº 7.783/89 (Lei de Greve) é que são elencados os serviços essenciais, quais sejam:
Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; 
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI compensação bancária.

Muito embora a Educação não esteja no rol taxativo da mencionada Lei, o STF firmou entendimento de que a educação também não poderá ter o seu serviço descontinuado pela greve, sendo considerada atividade essencial de primeira grandeza.
O princípio da continuidade do serviço público está consagrado no art. 1.º, III, da CF/88, pois trata-se de o Estado fornecer um bem-estar social (dignidade da pessoa humana), ainda que parcialmente, por importar perda de qualidade de vida e que a sociedade não pode prescindir. Também, no art. 22, do CDC: “Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.” Ou seja, esses serviços devem ser prestados com regularidade na frequência e no horário, além de ser seguro, adequado e eficiente, não podendo ser interrompido.

Apesar de no art. 22, parágrafo único, do CDC estabelecer que o serviço público essencial não possa ser interrompido, atualmente o STF firmou entendimento jurisprudencial no sentido de autorizar a interrupção do fornecimento de energia elétrica (REsp 617588/SP), desde que considerado inadimplente, o consumidor seja previamente notificado pela concessionária que lhe dará um prazo de 15 (quinze) dias para que regularize o débito (Art. 6º, §3º, II, da Lei 8.987/95 – Lei de Concessões).

SEMINÁRIO 30 - MÓD. III - CONTRATOS DE TRANSPORTE

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
Módulo 3 - Seminário 30, de 11/12/2014
CONTRATOS DE TRANSPORTE

1)               Na hipótese de contrato de transporte aéreo de pessoas, a denegação de embarque  com fundamento em overbooking advindo de no-show de outrem, caracteriza inadimplemento contratual? Se, por outro lado, o passageiro aceitar embarque em aeronave em voo sucessivo, poderá ser elidido o overbooking, de modo a permitir inserção nas hipóteses de atraso em voo? A responsabilidade do transportador aéreo, in casu, é ilimitada?
Resposta à primeira pergunta: Esclarecemos inicialmente que overbooking significa sobrevenda, vendas além da disponibilidade. No show são passageiros reservados que não compareceram para embarque.
O overbooking é prática utilizada pela operadora de transporte aéreo para compensar o no-show. Ou seja, a operadora, prevendo (estimando) a ocorrência de no show, vende um número de assentos além dos disponíveis, como uma forma de evitar ou compensar eventual prejuízo pelas desistências, quer sejam voluntárias ou involuntárias.
O overbooking raramente ocorre com passageiro portador de bilhete de primeira classe. Geralmente ocorre o overbooking com passageiro reservado na classe econômica cujo bilhete de passagem é emitido com tarifa reduzida.
Trata-se de prática abusiva por ferir os princípios da igualdade, da boa-fé, da dignidade da pessoa humana.  O contrato de transporte encontra-se definido no CC, art. 730, como sendo um contrato em que alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas.
Ora, se uma pessoa contrata um serviço de transporte aéreo é porque deseja ser transportada de um lugar para outro. Sendo de primeira classe ou não, o contrato é o mesmo, a prestação de serviço é a mesma. Deixando, portanto, de cumprir o pactuado, haverá inadimplemento contratual absoluto da empresa aérea.
Resposta à segunda pergunta: Não, pois overbooking e atraso em voo são situações distintas. Enquanto overbooking se trata de venda além da disponibilidade de assentos, o atraso em voo se constitui em demora no embarque por vários motivos, como, por exemplo, o mau tempo (força maior). Atraso é a não chegada ao destino no horário, conforme contrato celebrado.
Muitas vezes a hipótese de atraso em voo é utilizada pela companhia aérea para camuflar o overbooking.
Fazer o consumidor embarcar em outro voo com a justificativa de atraso em voo, quando, na verdade, foi praticado overbooking, é o mesmo que enganá-lo, não sendo transparente na real prestação das informações.
Tal justificativa, que tem por fim cobrir a realidade de um comportamento inadequado (o overbooking), é prática abusiva e enganosa que fere os princípios da confiança, da transparência, da boa-fé, da dignidade do consumidor (Art. 4º, CDC), dando ensejo à reparação de danos suportados.
Resposta à terceira pergunta: A responsabilidade do transportador aéreo é ilimitada, pois sua atividade se afigura a uma das hipóteses do art. 3º, “caput”, §2º, ambos do CDC, ensejando a aplicação do art. 14, do CDC (responsabilidade por fato do serviço) ou do art. 20, do CDC (responsabilidade por vício do serviço).

2)               Na hipótese de antinomias entre normas do Sistema de Varsóvia, Convenção de Montreal e Código Brasileiro de Aeronáutica em relação ao Sistema de Defesa do Consumidor, respectivamente, quais os critérios de solução possíveis? Quais as posições do TJSP, STJ e STF?
R: Cumpre, inicialmente, contextualizar sobre a Convenção de Varsóvia, o Pacto de Montreal e o Código Brasileiro da Aeronáutica.
A Convenção de Varsóvia foi inserida em nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto nº 20.704 de 24.11.1931. Essa convenção estabeleceu limites tarifários para indenização a título de reparação de dano, como por exemplo, morte, ferimento ou qualquer outra lesão ocorrida a bordo, ou nas operações de embarque ou desembarque (art. 17); por perda, destruição ou avaria de carga ou bagagem, ocorridas durante o transporte (art. 18); atrasos no transporte de coisas ou pessoas (art. 19).  Além disso, a empresa de transporte pode se eximir da reparação, caso prove que observou todos os procedimentos para evitar o dano. Ou seja, a responsabilidade decorre do subjetivismo.
O Pacto de Montreal ingressou no sistema jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 5.910, de 27/09/2006. Trata-se de uma Pacto que modificou a Convenção de Varsóvia, modernizando-a.
O Código Brasileiro de Aeronáutica foi instituído por meio da Lei nº 7.565, de 19.12.1986 e também estabelece, como a Convenção de Varsóvia, um sistema tarifário para indenização a título de eventuais responsabilidades decorrentes de sua atividade.
O conflito aparente dessas normas só haverá quando estivermos diante de uma relação jurídica de consumo.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90) ordena a reparação integral em caso de eventual dano praticado em decorrência da prestação de serviço de um fornecedor.
A jurisprudência do STJ, depois de alguma hesitação, acabou por firmar, com solidez, no sentido de aplicação do CDC e não da Convenção de Varsóvia e reafirmou seu posicionamento num julgado publicado em 04.11.2014 (STJ, AgRg no AREsp 567.681. Rel. Min. Marco Belizze, DJ 04/11/2014).
 O STF ainda não se pronunciou sobre a questão, havendo votos recentes favoráveis à aplicação da Convenção de Varsóvia em detrimento do CDC.
Já o TJ/SP tem aplicado o CDC, com fundamento na Constituição da República, no art. 5º, Inciso X (reparação integral) e no próprio CDC, no art. 6º, Inciso VI, afastando a aplicação da Convenção que limita a reparação.
3)               Uma grande multinacional importou da Alemanha equipamento industrial por meio de transporte aéreo de carga. Por ocasião da chegada ao local de destino, observou-se que mencionada carga havia sido danificada irremediavelmente. Desse modo, a companhia aérea ofereceu pagamento com fundamento no conhecimento aéreo de transporte. Por sua vez, a multinacional arguiu que se aplicavam os ditames do sistema consumerista, que contempla indenização sem patamar-limite indenizável. Quais os argumentos utilizáveis como advogado da companhia aérea?
R: O advogado da companhia aérea, no sentido de afastar a incidência do CDC, poderá utilizar-se de dois argumentos: primeiro, por não se tratar de relação de consumo a contratação de prestação de serviços entre duas empresas, uma vez que não haveria desequilíbrio nessa relação jurídica consumerista; segundo, por ser aplicável as convenções internacionais ao caso, notadamente a convenção de Varsóvia, por regulamentar especificamente a relação de transporte aéreo internacional (e ser vantajosa para a companhia por limitar a indenização). Tal discussão vem sendo discutida no STF, por meio do Recurso Extraordinário com Agravo nº 766.618 e do Recurso Extraordinário 636.331, contudo sem solução definitiva.
4)               Na hipótese de transporte aéreo doméstico de pessoas, a indenização por atraso em voo nos termos do Código Brasileiro de Aeronáutica, prevê indenização limitada, a partir de quatro horas em relação ao horário inicialmente pactuado. Vosso cliente adquiriu passagem aérea no trecho São Paulo-Rio de Janeiro e exige indenização com fundamento em uma hora de atraso, que ensejou perda de reunião. Quais os argumentos utilizáveis?
R: Conforme consta do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565 de 19 de dezembro de 1986) e da Resolução da ANAC (Resolução nº 141 de 09 de março de 2010 da ANAC), o atraso ou cancelamento de um voo, por si só, não configuram o dano moral, sendo imprescindível que as circunstâncias do caso concreto apontem para a efetiva e concreta violação da dignidade da pessoa, tal como compreendido o preceito exposto no art. 1º inciso III da CR/88. 
Assim, no presente caso, comprovou-se a ocorrência do dano. Aplica-se aqui o Código de Defesa do Consumidor, devendo responder objetivamente a companhia aérea em decorrência do atraso (nexo de causalidade) no trecho São Paulo – Rio de Janeiro, na medida em que o passageiro obteve prejuízos de ordens morais (e possivelmente materiais) com a perda da reunião.
O CDC, que possui natureza de norma de ordem pública, veio para dar efetividade ao preceito constitucional (art. 5º, XXXII), assim, a defesa do consumidor se tornou um direito fundamental. Portanto, o CDC ao adotar a teoria da responsabilidade objetiva previu a indenização independente da comprovação da culpa, ou seja, irrelevante tenha ocorrido culpa ou não da empresa aérea pelo atraso, basta a existência do nexo causal entre o evento danoso e o prejuízo sofrido.
Comprovou-se, no caso concreto, o prejuízo sofrido e a consequente possibilidade de indenização do consumidor em questão. A proteção do consumidor deve ser efetiva, na medida de sua hipossuficiência e vulnerabilidade perante a companhia aérea. Daí a aplicação do CDC para dar respaldo ao pleito indenizatório.
5)               No transporte terrestre a exigência de declaração especial de valor legitima a utilização de patamar-indenizável por parte do transportador na hipótese de extravio ou perda de bagagem?
R: A utilização de patamar-indenizável ou tarifação na ocorrência de extravio ou perda de bagagem encontra-se prevista no art. 29, XIII e art. 74, parágrafo único ambos do Decreto nº 2521/98 que regula o transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros.
Essa tarifação é afastada pela incidência do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90), no qual contempla, em conformidade com a Constituição Republicana (art. 5º, X), o direito básico de reparação de danos (art. 6º, VI) de forma integral. 
Além disso, o contrato de transporte, disciplinado no CC, art. 730 e seguintes, traz cláusula de incolumidade, que o leva assumir o perfil de garantia de risco, de modo que a empresa transportadora deverá reparar o dano, integralmente, decorrente do extravio de bagagem (art. 734, CC, art. 14 do CDC).
Conclui-se, então, que o parágrafo único do art. 734 do CC e o Decreto 2521/98 não devem ser observados no que tange à limitação da reparação indenizatória pelo extravio ou furto de bagagem, porque o CDC tem maior amplitude na efetivação do direito básico do consumidor, insculpido no art. 6º, VI do CDC, que prevê a integralidade da indenização.
6)               Em 2008 e 2011, conforme ampla divulgação pela imprensa, houve erupção vulcânica no Chile, que impediu operações aeronáuticas em aeroportos localizados em pontos turísticos de ampla demanda, inclusive na Argentina (e. g. Bariloche). Trata-se de fortuito externo apto a elidir integralmente o dever de indenizar, ou há possibilidade de que o prejuízo do consumidor seja objeto de ressarcimento junto à companhia aérea, operadora turística e/ou agência de viagem? Explicar e fundamentar.
R: Não se trata de caso fortuito externo, pois foi prevista a ocorrência de erupção vulcânica noticiada pela imprensa de forma ampla. O que se depreende da hipótese é que há dever de indenizar da operadora turística e/ou agência de viagem por não informar os consumidores sobre fato natural amplamente divulgado pela imprensa para possibilitarem o exercício de seus direitos, entre eles a devolução do valor investido, troca de data da viagem.
O fundamento decorre da incidência do CDC nesta situação, de modo que pertinente a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva. Com isso, basta a ocorrência do dano, ou seja, o defeito na prestação do serviço, o prejuízo ao consumidor para que seja configurado o dever de indenizar do prestador de serviço.
Exceto nos casos de culpa exclusiva do consumidor, circunstância que não se enquadra no evento relatado na questão.
Ademais, a erupção vulcânica não se configura como excludente de responsabilidade objetiva. Isto, porque não se trata de questão atinente ao direito civil propriamente dito, onde há a possibilidade de discussão da culpa, até mesmo como forma de afastar eventual injustiça, na medida em que, nos primórdios do direito romano a indenização era baseada na culpa.
Portanto, em se tratando de relação consumo, onde se aplica a proteção conferida pelo CDC aos consumidores, de rigor o reconhecimento do risco do negócio inerente às atividades desenvolvidas pelos fornecedores/prestadores de serviço; condição esta que se apresenta em contrapartida ao lucro auferido.

Deste modo, o consumidor terá amplo direito à indenização pelos danos (materiais e morais) sofridos em virtude da viagem frustrada.