quinta-feira, 19 de março de 2015

SEMINÁRIO 21 - MÓD. III - PRÁTICAS ABUSIVAS NO CDC

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
Módulo 3 - Seminário 21, de 02/10/2014
PRÁTICAS ABUSIVAS NO CDC

1)                 O que representam as “práticas abusivas” na relação de consumo?
R: Considera-se “prática abusiva” na relação de consumo, tudo aquilo que se apresenta em desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor, podendo originar-se de mera infração da lei, por exemplo, a ausência de informações obrigatórias no produto ou, ainda, de excesso de poder, como nos casos de cobranças de dívidas de consumo.
Apesar da aparente gradação de importância nas práticas abusivas, tais práticas representam, sempre, nas relações de consumo, um abuso de direito.
Vale ressaltar que tais práticas ou abusos, podem ser identificados em qualquer fase nas relações de consumo, antes, durante ou depois do contrato, constatando assim um avanço favorável e necessário do direito do consumidor, já que as modalidades de práticas abusivas sofrem constante mutação nas relações consumeristas.
As práticas abusivas representam total desequilíbrio nas relações de consumo, colocando sempre em desvantagem o consumidor, seja no aspecto econômico, pagando preço cheio pela utilidade (esperada) do produto, que não é alcançada devido à existência da abusividade, e faz uma aquisição já acompanhada de uma desvalorização, e também no aspecto contratual, onde, muitas vezes, a interpretação da contratação inibe, desmotiva ou prejudica a tomada de medidas necessárias ao restabelecimento do direito do consumidor.
Destaca-se que a prática comercial abusiva atinge a boa-fé nas relações de consumo, afinal, qualquer nível de abusividade é antagônico ao elemento boa-fé, consequentemente, tais práticas afetam diretamente a livre concorrência, enfraquecendo-a a ponto de contaminá-la no sentido de que o bom costume passa a ser exceção, e o ilícito a regra.
A quebra de expectativa do consumidor, na aquisição de qualquer produto ou serviço, comercializado sob o manto da abusividade, acarreta um sentimento prejudicialmente corrosivo da estabilidade emocional do indivíduo, impondo-lhe, às vezes, sentimentos de autodepreciação, por ter-se permitido ao engano, o que implica no surgimento de dano moral, que muitas vezes não é suavizado com compensação pecuniária, que sequer é capaz de alcançar o propósito pedagógico esperado, permitindo a muitos, praticantes nefastos, o cômputo de tais riscos em suas atividades.
Atualmente, apesar da força da legislação consumerista, a leviandade no tratamento das práticas abusivas tem consentido um desequilíbrio além do normal nas relações de consumo. Infelizmente, as ferramentas que o Estado tem utilizado para tal reparo, tem sido mais a punição pecuniária (onde o adequado pode parecer “pouco” para muitos destes praticantes), do que a adoção de medidas de estruturação voltadas para a eliminação de tais práticas, tais como, adequação de procedimentos, cooperação dos órgãos fiscalizadores na orientação do correto comportamento comercial das atividades, subsidiado por meio de ações e materiais de apoio a tais finalidades.
Como é sabido, o celeiro de maior abusividade comercial, assenta-se no campo da publicidade que, lamentavelmente, também se aproveita da fragilidade, vulnerabilidade e ignorância de muitos consumidores.
Pontua-se que a publicidade abusiva, muitas vezes agride outros valores importantes da sociedade de consumo não econômicos, como o respeito, a lealdade, transparência, igualdade etc.
Art. 36 do CDC. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.
Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.
2)                 Dar exemplos concretos, a partir de precedentes enviados e outros casos pesquisados ou vivenciados por vocês de práticas abusivas. Cada grupo deverá mencionar ao professor monitor ao menos dois exemplos.
R: As situações cotidianas que implicam na configuração das práticas abusivas são as mais variadas possíveis. O rol do artigo 39 é meramente exemplificativo, ou seja, as hipóteses de configuração dessa prática não se exaurem nas que lá foram elencadas.
Alguns dos exemplos discutidos são:
Venda casada de seguro desempregado quando efetuada contratação de empréstimo. Essa prática configura abusividade visto que é vedada a venda casada de quaisquer produtos ou serviços. A contratação deve se dar de maneira livre.
Produtos enviados ao consumidor que depois passam a ser cobrados pelo fornecedor que enviou. Essa prática abusiva tem consequência expressa no CDC. Os produtos enviados nessa condição são considerados amostra grátis.
Companhias aéreas que cobram taxas abusivas para cancelamento dos voos, independentemente do tempo que a compra foi efetuada. Vale dizer que, se a compra foi realizada antes de 7 dias do cancelamento, o consumidor tem o chamado direito de arrependimento. Ou seja, até esse período o valor deve ser devolvido de maneira integral. Após esse prazo, o consumidor deve pagar as taxas pactuadas, desde que não sejam demasiadamente elevadas. Para verificar a abusividade nesta segunda hipótese, é necessário analisar o caso concreto.
Devolução de outro produto (balas) ao invés do troco da transação. Prática muito comum que também configura abusividade, visto que o preço do produto vincula o comerciante a cumpri-lo, inclusive na forma que se espera. Ou seja, se o pagamento do preço foi em dinheiro, a devolução do troco deve ser de bem da mesma natureza.
Produtos “sem garantia”. Outra prática bastante comum e que, contrariando a lei consumerista, tenta exonerar o fornecedor da responsabilidade que possui tanto pelo vício quanto pelo fato do produto.
3)                 Quais os efeitos em termos de contrato de consumo, diante de uma prática abusiva?
R: As práticas abusivas vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39 e seus incisos, aplicam-se integralmente aos contratos de consumo. Inadmissível, portanto, qualquer cláusula que ignore tal preceito legal. Se assim ocorrer resta evidente a necessidade de buscar, judicial ou administrativamente, a correção da abusividade. Prevalece deste modo, o disposto no artigo 47, do CDC: “Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.”
A existência de práticas abusivas autoriza, observando-se o caso concreto, a nulidade do contrato, rescisão e revisão dos contratos, discussão e anulação de cláusulas abusivas (art. 51 do CDC), devolução de valores pagos, dentre outras medidas. Ressalte-se que, quaisquer das medidas acima descritas podem ser cumuladas com o pleito indenizatório. Assim, o CDC tem por objetivo a proteção do consumidor em todas as fases da relação de consumo, garantindo expressamente a sua posição de vulnerabilidade perante o fornecedor e nos contratos de consumo não será diferente, a lei proíbe a imposição de cláusulas consideradas abusivas, que coloquem o consumidor em situação de desvantagem perante o contratante. A abusividade ofende o princípio da boa-fé objetiva, norma fundamental que permeia as relações firmadas entre consumidores e fornecedores.
4)                 Quais os efeitos em termos de responsabilidade do fornecedor, diante de uma prática abusiva?
R: É importante lembrar, preliminarmente, que não obstante haver mecanismos de coerção para frear as práticas abusivas cometidas por fornecedores, é notório que diariamente são praticados diversos atos que prejudicam os consumidores, assim como ao seu patrimônio, onde se vislumbra uma situação que vai além do desequilíbrio normal do contrato, causando vantagem manifestamente excessiva sendo que, na maioria das vezes, os fornecedores imputam a culpa na economia, competitividade do mercado entre outras alegações, violando princípios norteadores da relação contratual como a boa-fé e a informação (Art. 6º, III e Art. 39,I, ambos do CDC).
Antônio Carlos Efing leciona que tais práticas abusivas "são comportamentos, tanto na esfera contratual quanto à margem dela, que abusam da boa-fé ou situação de inferioridade econômica ou técnica do consumidor".
Antônio Herman V. E Benjamin aponta que: "É a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor’."  ou seja, estaremos diante das práticas comerciais abusivas quando todas as condutas tendem a ampliar a vulnerabilidade do consumidor.
Conforme a redação do art. 39 e os seus doze incisos do CDC, onde há várias hipóteses de práticas comerciais abusivas, em que é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços de praticar tais atos por serem abusivos, andou bem o legislador quando não esgotou as possibilidades de condutas abusivas, deixando apenas uma lista exemplificativa e não taxativa dessas práticas, o que permitiu ao julgador aplicar a norma específica conforme o caso concreto.
Por consequência, diante de uma prática abusiva, de acordo o Art. 56, do CDC, o fornecedor que incorrer em infrações ao código do consumidor, sujeitar-se-á as mais diversas sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas especifica, às quais, dependendo do caso, poderão ser de: I - multa; II - apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII - suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total ou parcial, e estabelecimento, de obra ou de atividade; XI - intervenção administrativa; XII - imposição de contrapropaganda.
Como exemplos de práticas abusivas e seus efeitos, podemos citar a cláusula inserida em contrato de aquisição imobiliária que pune exclusivamente o consumidor por inadimplemento contratual, para a hipótese de mora, ficando isento o fornecedor de tal reprimenda.
Ora, é evidente que se houver atraso na entrega de imóvel, ensejará a responsabilidade civil objetiva do fornecedor pelo risco de sua atividade; logo, por ser abusiva, deverá ser retirada imediatamente a cláusula do contrato, sob pena de sofrer penalidades administrativas.
Outra prática comum no mercado de consumo é a famigerada “venda casada”, nas hipóteses em que há o fornecimento de produto ou de serviço condicionada ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.
Revela-se abusiva por ampliar a vulnerabilidade do consumidor na medida em que reprime a sua liberdade de escolha quanto ao que deseja consumir, além, é claro, de ser caracterizada como crime, conforme o art. 5º, II e III, da Lei 8.137/96 que define crimes contra a ordem tributária e contra as relações de consumo, cuja pena pode variar de 2 a 5 anos de detenção, ou multa, àquele fornecedor que subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço. E, ainda, sujeitar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de quantidade arbitrariamente determinada.
5)                 Cada grupo deverá ler e explicar o REsp. nº1.133.410-RS, relator o Ministro Massami Uyeda. O professor monitor poderá escolher, na sala, outro precedente a ser comentado pelo grupo.
R: O eminente Ministro Massami Uyeda, ao proferir seu voto, pelo reconhecimento da existência de prática de consumo abusiva, nas cobranças de preços diferenciados, quando pagos, principalmente através de cartão de crédito, em relação a dinheiro, arrimou sua fundamentação na coexistência das relações jurídicas atreladas ao objeto, cartão de crédito, entre instituição financeira e consumidor, instituição financeira e fornecedor-comerciante e, consumidor e fornecedor-comerciante.
Buscou o insigne Relator em tais relações, subsídios ao raciocínio jurídico que norteou as definições para aclarar se: i) o pagamento por meio de cartão de crédito pode ser classificado como forma de pagamento à vista; ii) o pagamento por meio de catão de crédito comporta majoração de preço em relação ao pagamento em dinheiro; e iii) tal diferenciação importa ou não em prática abusiva de consumo.
Destacando não haver definição legal específica, a tratar das compras por cartão de crédito, sob o enfoque da lei consumerista, concluiu o Julgador pela ocorrência de prática de consumo abusiva, no caso em apreço.
Da análise das relações jurídicas atinentes ao uso do cartão de crédito, menciona o Relator que o consumidor, em sua relação com a instituição financeira, paga pela obtenção e uso do cartão de crédito, a instituição financeira, por sua vez, em relação ao fornecedor-comerciante, assume os riscos da transação, até mesmo em eventual fraude, e cobra pelo serviço prestado, retendo parte do valor de cada operação.
Nesta senda, o fornecedor-comerciante, tem garantido o adimplemento da obrigação assumida pelo consumidor e, a opção de operar pelo cartão de crédito, majora seus lucros, não podendo assim, diferenciar o preço pago pelo consumidor, através do cartão de crédito, por entender ser modo de pagamento à vista, sob pena de incorrer em flagrante abusividade de prática comercial, configurada no bis in idem, já que pagou, o consumidor, pela utilização do cartão de crédito, não podendo suportar qualquer encargo, inerente ao risco do negócio do comércio, como votado.
Data máxima vênia, não compactuamos com o entendimento do ilustre Relator, em que pese o protecionismo ao consumidor, embora o cartão de crédito, como dito acima, produz um ciclo de relações jurídicas, estas, não guardam relação entre si, salvo pelo objeto, pois, cada contrato tem sua motivação específica que impede seu inter-relacionamento, incapacitando a um raciocínio lógico e seguro para apontar abusividade de prática comercial.
Por tal enfoque, não há que se falar em bis in idem, a particularidade (motivação) de cada contrato, por si só, afasta tal condição, inexiste prática abusiva quando a opção do consumidor em utilizar o cartão de crédito para sua compra lhe traz vantagens, pois, em tal modalidade de compra, o consumidor não utiliza seu dinheiro, o que com habilidade, só o fará em 30 ou até 40 dias depois.
Na outra ponta, o fornecedor-comerciante, apesar da liberdade de trabalhar ou não com o cartão de crédito (embora haja a imposição do mercado), não tem como regra, só benefícios, majoração de lucro, inclusive, em alguns comércios, a utilização da ‘maquininha de cartão’ quase que obriga um desconto para o pagamento em espécie, sob pena de sepultar o fluxo de caixa, colocando o estabelecimento na U.T.I.
Ainda que lancemos o olhar sobre a ‘majoração de lucros’, que eventualmente possa trazer o uso do cartão de crédito, a essência da mercancia é o lucro, ou será que nós, consumidores, não pagamos nos produtos que consumimos, pelo aluguel, por exemplo, e todos os demais custos, fixos e variáveis, que (como risco do negócio também) compõem o preço das mercadorias. Pensar o ato do comércio sem visar lucro é insano, a não ser em negociações do tipo Petrobras, Dilma e Pasadena.
Em suma os pilares das boas relações de consumo, a boa-fé e o equilíbrio contratual, suplantam, no caso em comento, a possibilidade de ocorrer prática abusiva, quando cobrado no cartão de crédito, o preço real do produto, sem desconto.



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