ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato
Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
Módulo 3 - Seminário 21, de 02/10/2014
PRÁTICAS ABUSIVAS NO CDC
1)
O
que representam as “práticas abusivas” na relação de consumo?
R: Considera-se “prática
abusiva” na relação de consumo, tudo aquilo que se apresenta em desconformidade
com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor, podendo
originar-se de mera infração da lei, por exemplo, a ausência de informações
obrigatórias no produto ou, ainda, de excesso de poder, como nos casos de
cobranças de dívidas de consumo.
Apesar da aparente
gradação de importância nas práticas abusivas, tais práticas representam,
sempre, nas relações de consumo, um abuso de direito.
Vale ressaltar que tais
práticas ou abusos, podem ser identificados em qualquer fase nas relações de
consumo, antes, durante ou depois do contrato, constatando assim um avanço
favorável e necessário do direito do consumidor, já que as modalidades de
práticas abusivas sofrem constante mutação nas relações consumeristas.
As práticas abusivas
representam total desequilíbrio nas relações de consumo, colocando sempre em
desvantagem o consumidor, seja no aspecto econômico, pagando preço cheio pela
utilidade (esperada) do produto, que não é alcançada devido à existência da
abusividade, e faz uma aquisição já acompanhada de uma desvalorização, e também
no aspecto contratual, onde, muitas vezes, a interpretação da contratação
inibe, desmotiva ou prejudica a tomada de medidas necessárias ao
restabelecimento do direito do consumidor.
Destaca-se que a prática
comercial abusiva atinge a boa-fé nas relações de consumo, afinal, qualquer
nível de abusividade é antagônico ao elemento boa-fé, consequentemente, tais
práticas afetam diretamente a livre concorrência, enfraquecendo-a a ponto de
contaminá-la no sentido de que o bom costume passa a ser exceção, e o ilícito a
regra.
A quebra de expectativa
do consumidor, na aquisição de qualquer produto ou serviço, comercializado sob
o manto da abusividade, acarreta um sentimento prejudicialmente corrosivo da
estabilidade emocional do indivíduo, impondo-lhe, às vezes, sentimentos de
autodepreciação, por ter-se permitido ao engano, o que implica no surgimento de
dano moral, que muitas vezes não é suavizado com compensação pecuniária, que
sequer é capaz de alcançar o propósito pedagógico esperado, permitindo a
muitos, praticantes nefastos, o cômputo de tais riscos em suas atividades.
Atualmente, apesar da
força da legislação consumerista, a leviandade no tratamento das práticas
abusivas tem consentido um desequilíbrio além do normal nas relações de consumo.
Infelizmente, as ferramentas que o Estado tem utilizado para tal reparo, tem
sido mais a punição pecuniária (onde o adequado pode parecer “pouco” para
muitos destes praticantes), do que a adoção de medidas de estruturação voltadas
para a eliminação de tais práticas, tais como, adequação de procedimentos,
cooperação dos órgãos fiscalizadores na orientação do correto comportamento
comercial das atividades, subsidiado por meio de ações e materiais de apoio a
tais finalidades.
Como é sabido, o celeiro
de maior abusividade comercial, assenta-se no campo da publicidade que,
lamentavelmente, também se aproveita da fragilidade, vulnerabilidade e
ignorância de muitos consumidores.
Pontua-se que a publicidade
abusiva, muitas vezes agride outros valores importantes da sociedade de consumo
não econômicos, como o respeito, a lealdade, transparência, igualdade etc.
Art. 36 do CDC. A
publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente,
a identifique como tal.
Parágrafo único. O
fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder,
para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e
científicos que dão sustentação à mensagem.
2)
Dar exemplos concretos, a partir de
precedentes enviados e outros casos pesquisados ou vivenciados por vocês de
práticas abusivas. Cada grupo deverá mencionar ao professor monitor ao menos
dois exemplos.
R: As situações
cotidianas que implicam na configuração das práticas abusivas são as mais
variadas possíveis. O rol do artigo 39 é meramente exemplificativo, ou seja, as
hipóteses de configuração dessa prática não se exaurem nas que lá foram
elencadas.
Alguns dos exemplos
discutidos são:
Venda casada de seguro
desempregado quando efetuada contratação de empréstimo. Essa prática configura
abusividade visto que é vedada a venda casada de quaisquer produtos ou
serviços. A contratação deve se dar de maneira livre.
Produtos enviados ao
consumidor que depois passam a ser cobrados pelo fornecedor que enviou. Essa
prática abusiva tem consequência expressa no CDC. Os produtos enviados nessa
condição são considerados amostra grátis.
Companhias aéreas que
cobram taxas abusivas para cancelamento dos voos, independentemente do tempo
que a compra foi efetuada. Vale dizer que, se a compra foi realizada antes de 7
dias do cancelamento, o consumidor tem o chamado direito de arrependimento. Ou
seja, até esse período o valor deve ser devolvido de maneira integral. Após
esse prazo, o consumidor deve pagar as taxas pactuadas, desde que não sejam
demasiadamente elevadas. Para verificar a abusividade nesta segunda hipótese, é
necessário analisar o caso concreto.
Devolução de outro
produto (balas) ao invés do troco da transação. Prática muito comum que também
configura abusividade, visto que o preço do produto vincula o comerciante a
cumpri-lo, inclusive na forma que se espera. Ou seja, se o pagamento do preço
foi em dinheiro, a devolução do troco deve ser de bem da mesma natureza.
Produtos “sem garantia”.
Outra prática bastante comum e que, contrariando a lei consumerista, tenta
exonerar o fornecedor da responsabilidade que possui tanto pelo vício quanto
pelo fato do produto.
3)
Quais os
efeitos em termos de contrato de consumo, diante de uma prática abusiva?
R: As práticas abusivas
vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39 e seus incisos,
aplicam-se integralmente aos contratos de consumo. Inadmissível, portanto,
qualquer cláusula que ignore tal preceito legal. Se assim ocorrer resta
evidente a necessidade de buscar, judicial ou administrativamente, a correção
da abusividade. Prevalece deste modo, o disposto no artigo 47, do CDC: “Art.
47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao
consumidor.”
A existência de práticas
abusivas autoriza, observando-se o caso concreto, a nulidade do contrato,
rescisão e revisão dos contratos, discussão e anulação de cláusulas abusivas
(art. 51 do CDC), devolução de valores pagos, dentre outras medidas.
Ressalte-se que, quaisquer das medidas acima descritas podem ser cumuladas com
o pleito indenizatório. Assim, o CDC tem por objetivo a proteção do consumidor
em todas as fases da relação de consumo, garantindo expressamente a sua posição
de vulnerabilidade perante o fornecedor e nos contratos de consumo não será
diferente, a lei proíbe a imposição de cláusulas consideradas abusivas, que
coloquem o consumidor em situação de desvantagem perante o contratante. A
abusividade ofende o princípio da boa-fé objetiva, norma fundamental que
permeia as relações firmadas entre consumidores e fornecedores.
4)
Quais
os efeitos em termos de responsabilidade do fornecedor, diante de uma prática
abusiva?
R: É importante lembrar,
preliminarmente, que não obstante haver mecanismos de coerção para frear as
práticas abusivas cometidas por fornecedores, é notório que diariamente são
praticados diversos atos que prejudicam os consumidores, assim como ao seu
patrimônio, onde se vislumbra uma situação que vai além do desequilíbrio normal
do contrato, causando vantagem manifestamente excessiva sendo que, na maioria
das vezes, os fornecedores imputam a culpa na economia, competitividade do
mercado entre outras alegações, violando princípios norteadores da relação
contratual como a boa-fé e a informação (Art. 6º, III e Art. 39,I, ambos do
CDC).
Antônio Carlos
Efing leciona que tais práticas abusivas "são comportamentos, tanto
na esfera contratual quanto à margem dela, que abusam da boa-fé ou situação de
inferioridade econômica ou técnica do consumidor".
Antônio Herman V. E
Benjamin aponta que: "É a desconformidade com os padrões mercadológicos de
boa conduta em relação ao consumidor’." ou seja, estaremos diante
das práticas comerciais abusivas quando todas as condutas tendem a ampliar a vulnerabilidade
do consumidor.
Conforme a redação do
art. 39 e os seus doze incisos do CDC, onde há várias hipóteses de práticas
comerciais abusivas, em que é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços de
praticar tais atos por serem abusivos, andou bem o legislador quando não
esgotou as possibilidades de condutas abusivas, deixando apenas uma lista
exemplificativa e não taxativa dessas práticas, o que permitiu ao julgador
aplicar a norma específica conforme o caso concreto.
Por consequência, diante
de uma prática abusiva, de acordo o Art. 56, do CDC, o fornecedor que incorrer
em infrações ao código do consumidor, sujeitar-se-á as mais diversas sanções
administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em
normas especifica, às quais, dependendo do caso, poderão ser de: I - multa; II
- apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do
registro do produto junto ao órgão competente; V - proibição de fabricação do
produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII - suspensão
temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX
- cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total
ou parcial, e estabelecimento, de obra ou de atividade; XI - intervenção
administrativa; XII - imposição de contrapropaganda.
Como exemplos de práticas
abusivas e seus efeitos, podemos citar a cláusula inserida em contrato de
aquisição imobiliária que pune exclusivamente o consumidor por inadimplemento
contratual, para a hipótese de mora, ficando isento o fornecedor de tal
reprimenda.
Ora, é evidente que se
houver atraso na entrega de imóvel, ensejará a responsabilidade civil objetiva
do fornecedor pelo risco de sua atividade; logo, por ser abusiva, deverá ser
retirada imediatamente a cláusula do contrato, sob pena de sofrer penalidades
administrativas.
Outra prática comum no
mercado de consumo é a famigerada “venda casada”, nas hipóteses em que há o
fornecimento de produto ou de serviço condicionada ao fornecimento de outro
produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.
Revela-se abusiva por
ampliar a vulnerabilidade do consumidor na medida em que reprime a sua
liberdade de escolha quanto ao que deseja consumir, além, é claro, de ser
caracterizada como crime, conforme o art. 5º, II e III, da Lei 8.137/96 que
define crimes contra a ordem tributária e contra as relações de consumo, cuja
pena pode variar de 2 a 5 anos de detenção, ou multa, àquele fornecedor que
subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem,
ou ao uso de determinado serviço. E, ainda, sujeitar a venda de bem ou a
utilização de serviço à aquisição de quantidade arbitrariamente determinada.
5)
Cada
grupo deverá ler e explicar o REsp. nº1.133.410-RS, relator o Ministro Massami
Uyeda. O professor monitor poderá escolher, na sala, outro precedente a ser
comentado pelo grupo.
R: O eminente Ministro
Massami Uyeda, ao proferir seu voto, pelo reconhecimento da existência de
prática de consumo abusiva, nas cobranças de preços diferenciados, quando
pagos, principalmente através de cartão de crédito, em relação a dinheiro,
arrimou sua fundamentação na coexistência das relações jurídicas atreladas ao
objeto, cartão de crédito, entre instituição financeira e consumidor,
instituição financeira e fornecedor-comerciante e, consumidor e
fornecedor-comerciante.
Buscou o insigne Relator
em tais relações, subsídios ao raciocínio jurídico que norteou as definições
para aclarar se: i) o pagamento por meio de cartão de crédito pode ser
classificado como forma de pagamento à vista; ii) o pagamento por meio de catão
de crédito comporta majoração de preço em relação ao pagamento em dinheiro; e
iii) tal diferenciação importa ou não em prática abusiva de consumo.
Destacando não haver
definição legal específica, a tratar das compras por cartão de crédito, sob o
enfoque da lei consumerista, concluiu o Julgador pela ocorrência de prática de
consumo abusiva, no caso em apreço.
Da análise das relações
jurídicas atinentes ao uso do cartão de crédito, menciona o Relator que o
consumidor, em sua relação com a instituição financeira, paga pela obtenção e
uso do cartão de crédito, a instituição financeira, por sua vez, em relação ao
fornecedor-comerciante, assume os riscos da transação, até mesmo em eventual
fraude, e cobra pelo serviço prestado, retendo parte do valor de cada operação.
Nesta senda, o
fornecedor-comerciante, tem garantido o adimplemento da obrigação assumida pelo
consumidor e, a opção de operar pelo cartão de crédito, majora seus lucros, não
podendo assim, diferenciar o preço pago pelo consumidor, através do cartão de
crédito, por entender ser modo de pagamento à vista, sob pena de incorrer em
flagrante abusividade de prática comercial, configurada no bis in idem, já que
pagou, o consumidor, pela utilização do cartão de crédito, não podendo suportar
qualquer encargo, inerente ao risco do negócio do comércio, como votado.
Data máxima vênia, não compactuamos com o entendimento do ilustre Relator, em
que pese o protecionismo ao consumidor, embora o cartão de crédito, como dito
acima, produz um ciclo de relações jurídicas, estas, não guardam relação entre
si, salvo pelo objeto, pois, cada contrato tem sua motivação específica que
impede seu inter-relacionamento, incapacitando a um raciocínio lógico e seguro
para apontar abusividade de prática comercial.
Por tal enfoque, não há
que se falar em bis in idem, a
particularidade (motivação) de cada contrato, por si só, afasta tal condição,
inexiste prática abusiva quando a opção do consumidor em utilizar o cartão de
crédito para sua compra lhe traz vantagens, pois, em tal modalidade de compra,
o consumidor não utiliza seu dinheiro, o que com habilidade, só o fará em 30 ou
até 40 dias depois.
Na outra ponta, o
fornecedor-comerciante, apesar da liberdade de trabalhar ou não com o cartão de
crédito (embora haja a imposição do mercado), não tem como regra, só
benefícios, majoração de lucro, inclusive, em alguns comércios, a utilização da
‘maquininha de cartão’ quase que obriga um desconto para o pagamento em
espécie, sob pena de sepultar o fluxo de caixa, colocando o estabelecimento na
U.T.I.
Ainda que lancemos o
olhar sobre a ‘majoração de lucros’, que eventualmente possa trazer o uso do
cartão de crédito, a essência da mercancia é o lucro, ou será que nós,
consumidores, não pagamos nos produtos que consumimos, pelo aluguel, por
exemplo, e todos os demais custos, fixos e variáveis, que (como risco do
negócio também) compõem o preço das mercadorias. Pensar o ato do comércio sem
visar lucro é insano, a não ser em negociações do tipo Petrobras, Dilma e
Pasadena.
Em suma os pilares das
boas relações de consumo, a boa-fé e o equilíbrio contratual, suplantam, no
caso em comento, a possibilidade de ocorrer prática abusiva, quando cobrado no
cartão de crédito, o preço real do produto, sem desconto.
otimas perguntas e respostas!!
ResponderExcluir