segunda-feira, 23 de março de 2015

SEMINÁRIO 28 - MÓD. III - CONTRATOS DE SEGURO NO CDC

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” - Especialização em Direito do Consumidor
Módulo 3 - Seminário 28, de 27/11/2014
CONTRATOS DE SEGURO NO CDC

1.                  CONCEITO DE CONSUMIDOR. Qual o alcance do conceito de “consumidor” no contrato de seguro? Explicar principalmente diante do artigo 29 do CDC (conceito de consumidor por equiparação).
R: O conceito de consumidor para efeitos de qualquer relação consumerista está previsto no artigo 2o do CDC:
Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. 
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. 
Nas relações específicas que envolvam práticas comerciais e proteção contratual tem-se a disposição prevista no art. 29 do CDC
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
Portanto, nas relações de seguro são consideradas consumidores, além do usuário final do serviço e da pessoa jurídica, comprovadamente hipossuficiente (teoria finalista mitigada), também as atingidas pelos contratos de seguro, nos termos do art. 29, como terceiros envolvidos em acidente de veículo, beneficiários em caso de seguro de vida, terceiros que receberão indenização, entre outras hipóteses. 

2.                  Quais os conceitos de “resseguro” e “cosseguro”? Qual a influência para a relação de consumo?
R: Resseguro é o contrato de seguro celebrado pelo segurado com uma segunda seguradora para garantir a relação celebrada entre a primeira seguradora e um terceiro (pessoa física ou jurídica). Esse sistema é utilizado para viabilizar a existência de empresas e seguradoras, mas que, dependendo da dimensão, pode gerar uma "bolha securitária".
Cosseguro é o seguro de duas ou mais seguradoras sobre o mesmo objeto, seja ela parcial (em qualquer caso) desde que uma complemente a outra sem ultrapassar o valor do bem segurado ou integral (só possível para contratos de seguro).
Perante o consumidor existem algumas questões que envolvem essas hipóteses: 
Há solidariedade no resseguro? E no cosseguro (se os objetos são diferentes. Ex. Seguro de vidro e seguro da divisória)
Se não há solidariedade, há subsidiariedade de responsabilidade? 
Aqui o entendimento é dividido, mas perante o consumidor o resseguro teria responsabilidade solidária e o cosseguro teria responsabilidade limitada ao que estabelecido contratualmente. Obviamente, dependendo dos termos e da redação estabelecida no contrato pode-se dar interpretação mais benéfica ao consumidor, englobando solidariedade também no cosseguro.

3.                  SEGURO E INFORMAÇÃO. As condições do seguro são negociadas ou informadas previamente ao consumidor? Há repercussão, diante do que dispõe o artigo 46 do CDC? Como analisar as situações de exclusões da cobertura do contrato de seguro em geral? Deve haver prévia e efetiva informação do consumidor? E se não houver, qual a consequência? A cláusula deve ser excluída (declarada inexistente, nula ou ineficaz)?
R: As condições do seguro não são negociadas, tendo em vista que se trata de contrato de adesão. Em razão disto, tem-se que as referidas condições devem ser previamente informadas ao consumidor, de forma clara, a fim de facilitar a compreensão do consumidor, conforme disposto no artigo 46, do CDC.  Quanto às situações de exclusão, essas também devem ser previamente informadas e destacadas para facilitar a identificação da exclusão de um direito do consumidor. Caso não haja previa informação, entendemos que a cláusula deve ser considerada nula, pois notoriamente abusiva, de forma que o restante do contrato continua vigente, exceto a referida cláusula de exclusão.

4.                  CANCELAMENTO OU RESCISÃO DO CONTRATO DE SEGURO. A falta de pagamento pode dar ensejo à rescisão do contrato de seguro? O “cancelamento do seguro” pode ser automático? E, se no período de mora ocorrer o sinistro, haverá direito do consumidor à indenização securitária? Se houver pagamento da indenização pode haver compensação com o saldo do prêmio ainda não quitado pelo consumidor?
A FALTA DE PAGAMENTO PODE DAR ENSEJO À RESCISÃO DO CONTRATO DE SEGURO?
R: O conjunto de normas reguladoras dos contratos de seguro impede a rescisão unilateral do contrato por falta de pagamento, sem que antes a seguradora cumpra as formalidades legais. Afigura-se abusiva qualquer cláusula contratual neste sentido, devendo, à luz do artigo 51, IV e XI do CDC, tal, ser considerada nula.
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;
O ‘CANCELAMENTO DO SEGURO’ PODE SER AUTOMÁTICO?
R: Não pode ser automático o cancelamento do seguro. A unilateralidade do cancelamento é vedada pelo artigo 51 do CDC. É necessária a prévia constituição em mora do segurado, como condição para afastar qualquer alegação de prática abusiva. A rescisão do contrato, no curso de sua vigência, deve ser pleiteada em juízo, seguindo as formalidades legais.
E, SE NO PERÍODO DA MORA OCORRER O SINISTRO, HAVERÁ DIREITO DO CONSUMIDOR A INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA?
R: Sim, haverá direito do consumidor à indenização. É obrigação da seguradora, ainda que no período da mora, pois, o segurado presume-se obrigado a pagar os juros legais do prêmio atrasado, onde tal inadimplência impõe apenas a suspensão da eficácia do contrato, enquanto não realizado o pagamento, o qual, realizado com os devidos encargos, gera efeito ex tunc. Obviamente nos casos que atendem ao princípio da boa-fé e o equilíbrio contratual, não podendo, por exemplo, se beneficiar o segurado que se mantém inadimplente a longo tempo e queira, por oportunismo, utilizar-se de tal regra.
Lição de Pontes de Miranda diz que:
”A cláusula de preclusão ou resolução do contrato, isto é a cláusula que estabeleça prazo para pagamento dos prêmios, findo o qual se tenha como resolvido o contrato (resolução por inadimplemento) é ilícita. À empresa seguradora cabe pedir em juízo a resolução do contrato. Enquanto não está pago o prêmio, vinculado está o segurador. Daí a vantagem da cláusula de suspensão de eficácia: suspende-se a eficácia contra o segurador e fluem os juros com a dívida ou com as dívidas dos prêmios “. (Pontes de Miranda)
SE HOUVER PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO, PODE HAVER COMPENSAÇÃO COM O SALDO DO PRÉMIO AINDA NÃO QUITADO PELO CONSUMIDOR?
R: Sim, na hipótese de pagamento de indenização do seguro, pode haver compensação com o saldo do prêmio, desde que em tais circunstâncias haja segurança pelo não comprometimento das atividades da seguradora, devendo ainda, ser orientada pelo princípio da boa-fé objetiva, seguindo assim, o já consagrado entendimento jurisprudencial do Adimplemento Substancial, orientado pela função social do contrato, vedação ao abuso de direito e do enriquecimento sem causa.

5.                  SEGURO DE VIDA. No caso do seguro de vida envolvendo idoso pode haver negativa de contratação pela seguradora pelo elevado risco? Ou, de forma distinta, a seguradora pode modificar as cláusulas e condições de um seguro renovado por mais de 20 anos, de maneira a agravar o prêmio sem ampliar coberturas? Ou, ainda, como forma de adaptação às circulares 302, 316 e 317 da SUSEP?
R: Não! Não poderá haver negativa de contratação pela seguradora pelo elevado risco por conta da idade do segurado, porque fere a Política Nacional das Relações de Consumo instituída no art. 4º do CDC, no que diz respeito à dignidade e à melhoria da qualidade de vida. Além disso, a negativa de contratação caracteriza cláusula abusiva, nos termos do art. 39, VIII, do CDC.
Por esses fundamentos não tem cabimento uma seguradora de vida oferecer no mercado um produto que só atenda até um limite de idade dos consumidores em detrimento de outros, em razão da elevada idade para cobertura de riscos. Ocorrendo tal hipótese, há flagrante desrespeito à vida humana como se proteção da vida tivesse limites a serem tutelados.
A seguradora de vida ao se apresentar no mercado de consumo oferece um produto/serviço que se destina a qualquer pessoa que com quem ela queira contratar, independentemente da idade, cobrando, porém, valores diferenciados em função da faixa etária por conta do risco do sinistro. Aliás, a cobertura de riscos é inerente à existência da seguradora.
O prêmio pode ser agravado durante a vigência do contrato de seguro, após 20 anos de renovação, porém, não de modo a tornar impossível o pagamento que vinha sendo feito mensalmente como, por exemplo, um aumento surpreendente de 300% na mensalidade. Ora, nesse caso, o consumidor idoso terá o total amparo da legislação consumerista, por configurar cláusula abusiva, em combinação com o Estatuto do Idoso que veda a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade (art. 15, §3º do Estatuto do Idoso).
Quanto às circulares 302, 317 e 316 da SUSESP só terão aplicação aos novos contratos de seguro de vida, não podendo incidir os efeitos dessas circulares nos contratos antigos. 

6.                  SEGURO DE AUTOMÓVEL. É válida a cláusula que identifica um critério (valor de referência) para fixação do valor de indenização em caso de perda total do bem? Há abusividade na cláusula contratual que exclui a indenização pelo agravamento do risco causado pela embriaguez do motorista? E na cláusula do chamado “seguro perfil” que impõe: (i) para do veículo sempre num estacionamento e (ii) utilização predominante de um motorista? O fato de o filho dirigir o carro dos pais serve de agravamento do risco para excluir pagamento de indenização?
R: Há validade na estipulação contratual acerca da referência para que seja apurado um valor em hipóteses de perda total do bem segurado em contratos de seguro. Isto, porque referida indenização visa recompensar a perda material do contratante, sendo certo que a previsão de reparação baseada na Tabela FIPE, por exemplo, objetiva que o ressarcimento ocorra com base no valor real do bem.
Por outro lado, tem-se como abusiva a previsão contratual acerca de exclusão do pagamento de indenização caso o risco seja agravado pela embriaguez do motorista. A abusividade se mostra presente nesta estipulação, tendo em vista que há situações em que o motorista, ainda que embriagado, não seja o segurado. Outra situação se apresenta quando, a despeito da embriaguez, esta circunstância não tenha contribuído para a ocorrência do sinistro. É a habitualidade que deve ser tomada como parâmetro nestas situações.
De igual modo, a exigência que o veículo seja sempre parado em estacionamento ou mesmo que o bem seja utilizado essencialmente pelo mesmo motorista não são capazes de afastar o direito à indenização, caso ocorro qualquer tipo de sinistro. Novamente, a habitualidade deve ser considerada e, acima de tudo, a análise da casuísta é imprescindível para apuração da dinâmica do evento. Contudo, de pronto, fica consignado que estacionar eventualmente o veículo na rua ou que este seja conduzido por pessoa não indicada na apólice, não tem o condão de isentar a companhia seguradora do pagamento da indenização.
Este raciocínio também se aplica quando dirigir o veículo, pois não se mostrando uma situação costumeira, o direito ao ressarcimento fica garantido. Exceto se o filho for menor de idade ou mesmo sem habilitação para dirigir e o veículo tenha sido entregue voluntariamente pelo segurado que, nestas situações, viola as condições estipuladas em contrato ao permitir o uso do bem por pessoa incapacitada para a condução.

7.                  SEGURO DE CELULAR. Há abusividade nas cláusulas que excluem a coberturas nas seguintes hipóteses: (i) furto simples e (ii) furto no interior do veículo?
R: A controvérsia é polêmica porque há entendimentos díspares sobre a cobertura para seguro de celulares quando ocorrem furtos simples ou aparelhos deixados dentro do veículo. Acontece que, nesses contratos há cláusulas que preveem a cobertura de seguro em razão de furto apenas se este for qualificado, alegando os fornecedores que nessa modalidade de furto geralmente remanesce algum vestígio de violência ou a constatação de rompimento de obstáculo, negando-se a cobertura se não forem apresentadas provas dos mencionados vestígios.
Ora, mostra-se desarrazoada essa interpretação haja vista que o consumidor quando realiza contrato de seguro, o faz acreditando estar coberta qualquer hipótese de roubo ou furto, se na forma simples ou qualificada, isso porque é sabido que a maioria dos consumidores não possui expertise para a boa interpretação jurídica entre essas duas condutas. Cabe salientar que o STJ tem reformado sentenças que reconhecem como lícitas essas cláusulas nos contratos de seguro de aparelhos celulares.
Não se pode olvidar que o serviço de cobertura securitária é na modalidade de adesão (art. 54, CDC), e, por isso, em respeito ao princípio da informação, qualquer cláusula que limitar direitos tem que ser escrita de forma clara, adequada e destacada para permitir a imediata análise, compreensão e alcance sobre o conteúdo do contratado, pois cabe ao fornecedor do serviço informar previamente sobre tais condições (art. 54, §§3º e 4º, do CDC); ademais, a ausência de destaque ou visibilidade afronta o princípio da transparência (art. 4º, caput, CDC).
Portanto, a nosso ver, não se trata de uma limitação lícita no contrato, mas, sim, abusividade de cláusulas que restringem direitos na cobertura de furto apenas qualificado.

8.                  SEGURO E SOLIDARIEDADE ENTRE SEGURADORA E CORRETORA. No seguro de automóveis, a seguradora pode ser chamada a responder solidariamente por vício ou defeito do serviço de um corretor que intermediou a venda do seguro? E o contrário, a corretora pode responder por oferta feita na intermediação do seguro e que depois acabou não cumprida pela seguradora?
R: Sim, entendemos que a seguradora deve responder solidariamente com o corretor nos casos em que houver vício ou defeito na prestação de serviço, por parte do corretor (a), no momento da intermediação da venda do seguro. Ressalte-se que o corretor representa a seguradora, podendo assim optar o lesado por ingressar com a ação contra o corretor, contra a seguradora ou contra ambos, solidariamente. O CDC traz expressamente a possibilidade de solidariedade entre os fornecedores e seus representantes, aplica-se a teoria da aparência. Lembrando que, comprovado o dolo ou culpa do corretor, poderá a seguradora demandar com ação de regresso - responsabilidade subjetiva do corretor.

O contrário, todavia, não gera a responsabilidade solidária. Caso a seguradora dê causa ao infortúnio, deverá figurar sozinha no polo passivo da ação ajuizada pelo consumidor prejudicado. 

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