sexta-feira, 27 de março de 2015

SEMINÁRIO 29 - MÓD. III - CONTRATOS BANCÁRIOS II

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” - Especialização em Direito do Consumidor
Módulo 3 - Seminário 29, de 04/12/2014
CONTRATOS BANCÁRIOS II

1) CONCEITO DE VALOR RESIDUAL GARANTIDO. Qual a dinâmica do contrato de arrendamento mercantil? O conceito e o alcance do VRG? O grupo deve analisar à luz do do Direito do Consumidor a tese fixada para os efeitos do art. 543-C, do CPC: “Nas ações de reintegração de posse motivadas por inadimplemento de arrendamento mercantil financeiro, quando o produto da soma do VRG quitado com o valor da venda do bem for maior que o total pactuado com VRG na contratação, será direito do arrendatário receber a diferença, cabendo porém, estipulado no contrato, prévio desconto de outras despesas ou encargos contratuais” (REsp nº 1.09.21-RJ, Segunda Seção do STJ, Relator Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27.02.2013).
R: Conceito de VRG: O "Valor Residual Garantido" nas operações de arrendamento mercantil ou leasing constitui-se em uma garantia especial pago de forma antecipada e independentemente do valor das prestações mensais e dos juros, em favor da empresa arrendadora, caso o "arrendatário" não exerça sua opção de compra ao final do contrato e, neste caso, o bem seria leiloado para terceiros, vendido pela melhor oferta sem avaliação prévia e sem preço mínimo, então o VRG serviria para garantir a lucratividade e a eliminação de qualquer possibilidade de risco empresarial no negócio.
Podemos dizer que a dinâmica se dá em conformidade ao que aduz a Lei nº 6.099, de 1974, alterada pela Lei nº 7.132, de 1983, segundo a qual considera-se arrendamento mercantil, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta (art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.132, de 1983).
À luz do art. 543-C, do CPC, o grupo entende que, inobstante ainda haver controvérsia entre entendimentos de tribunais estaduais sobre a devolução ou não do VRG pago antecipadamente, nos casos de inadimplemento contratual por parte da arrendatária, nas ações de reintegração de posse, vislumbra-se como o mais ajustado o definido pelo STJ e que também o acompanha o TJSP “Ocorrida a resolução do contrato, com a reintegração do bem na posse da arrendadora, possível a devolução ao arrendatário dos valores pagos a título de VRG” (art. 5º, da Lei 6.099/74).
Ademais, conforme a Súmula 293/STJ, a cobrança antecipada do VRG não descaracteriza o contrato de arrrendamento mercantil; logo; a arrendadora que tem o objetivo precípuo e legítimo baseado no lucro, caso se negue a devolver a diferença ao arrendatário quando o produto da soma do VRG quitado com o valor da venda do bem for maior que o total pactuado como VRG, além de cobrar parcelas ou alugueis vincendos, incorre em nítido desrespeito ao princípio da ordem econômica que está assim consagrado no art. 170, V, da CF/88 e, via de consequência, em enriquecimento ilícito.
2) TABELA PRICE E CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. Há capitalização de juros na “Tabela Price”?
R: A utilização da Tabela Price implica na prática de capitalização de juros, pois é de sua essência. Para definir a Tabela Price, vale-se do magistério do matemático José Dutra Vieira Sobrinho, ao citar o entendimento do Professor Mario Geraldo Pereira:
a denominação Tabela Price se deve ao matemático, filósofo e teólogo inglês Richard Price, que viveu no século XVIII e que incorporou a teoria dos juros compostos às amortizações de empréstimos (ou financiamentos). A denominação “Sistema Francês”, de acordo com o autor citado, deve-se ao fato de o mesmo ter-se efetivamente desenvolvido na França, no Século XIX. Esse sistema consiste em um plano de amortização de uma dívida em prestações periódicas, iguais e sucessivas, dentro do conceito de termos vencidos, em que o valor de cada prestação, ou pagamento, é composto por duas parcelas distintas: uma de juros e uma de capital (chamada amortização). (Mário Geraldo Pereira. Plano básico de amortização pelo sistema francês e respectivo fator de conversão. Dissertação - Doutoramento - FCEA, São Paulo, 1965)” [José Dutra Vieira Sobrinho. Matemática Financeira. São Paulo, Atlas, 1998, p. 220]
Daí conclui-se que a Tabela Price é um método de amortização que consiste na aplicação de juros compostos (juros sobre juros ou capitalizados).
Outrossim, se os juros não são pagos de forma integral na prestação mensal, o valor excedente recai sobre o saldo devedor a ser calculado para a obtenção do valor da próxima prestação mensal.
Com o intuito de corroborar o entendimento de que a prática de juros capitalizados decorre do emprego da Tabela Price, colaciona-se excertos da doutrina de Luiz Antônio Scavone Junior:
“De fato, o problema fundamental da tabela price diz respeito à exigibilidade dos juros. Nesse sistema, os juros são recebidos sobre todo o capital acumulado e não sobre a parcela de capital correspondente. Apenas o resíduo do valor da prestação total é utilizado para amortização do capital”.
“Por conseguinte, o valor total pago a título de juros suplanta aquele devido em razão dos juros capitalizados de forma simples na exata medida em que a taxa é aplicada, a cada período, sobre todo o capital” (pág. 215)
“Como na tabela price os juros são cobrados por antecipação, tendo em vista a redação do art. 6º do Decreto 22.626/33, o valor total desses juros não poderia suplantar mas suplanta aqueles que seriam devidos em razão da capitalização simples aplicada às parcelas de capital decompostas pelo prazo de pagamento.”
“Em suma, o ponto fundamental para conclusão da proibição da tabela price pelo critério do art. 6º do Decreto 22.626/33, pode ser resumido no seguinte exemplo: o capital de R$ 100.000,00 pelo prazo de quinze anos a amortização mensais, iguais e sucessivas, com taxa de juro de 1% ao mês, pela tabela price, equivalerá ao pagamento total, a título de juros, de R$ 116.029,63.”
“Todavia, considerando uma 'série de pagamentos', decompondo o mesmo capital em razão de idêntico prazo, o pagamento total de juros importa em R$ 90.500,00.”
“Por outro lado, as parcelas obtidas pela aplicação da tabela price correspondem à taxa de juros de 1,2821% ao mês, de forma simples, incidindo sobre cada parcela de capital tendo em vista o prazo para restituição.”
“Portanto, considerada a série de pagamentos e a fórmula para obtenção do montante (valor futuro) com capitalização simples sobre cada parcela de capital em razão do prazo, o sistema francês oculta taxas de juros maiores que aquelas declaradas.”
“Em outras palavras, como a tabela price antecipa os juros vincendos, acaba ocultando uma taxa maior de juros capitalizados de forma simples.”
Em tese, esse fato configura o crime de usura tipificado no art. 13 do Decreto 22.626/33, segundo o qual 'é considerado delito de usura toda a simulação ou prática tendente a ocultar a verdadeira taxa do juro ou a fraudar os dispositivos desta lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos, além dos estabelecidos no respectivo título ou instrumento'. Esse aspecto é evidente, evidentíssimo, aliás.” (JUROS NO DIREITO BRASILEIRO, Ed. RT, 2ª edição, páginas  218/221).
Finalmente, de tudo se conclui que a aplicação da Tabela Price se mostra contrária às disposições do art. 4º, do Decreto-lei nº 22.626/33 (não revogado pela Lei nº 4.595/64), bem como ao que estabelece a Súmula nº 121 do E. STF.

3) PURGA DA MORA NA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Qual o conceito de alienação fiduciária? Qual a diferença entre a “alienação fiduciária” e o “arrendamento mercantil”? O grupo deve analisar à luz do Direito do Consumidor a tese fixada para os efeitos do artigo 543-C do CPC: “Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida –entendida esta com os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do móvel objeto de alienação fiduciária.” (REsp nº 1.48.593/MS, Segunda Seção, relator o Ministro Luís Felipe Salomão, julgado em 14.5.2014)
R: I) A alienação fiduciária consiste na transferência feita pelo devedor ao credor da propriedade resolúvel e da posse indireta de um bem infungível (art. 1361, CC) ou de um bem imóvel (Lei nº 9514/97, arts. 22 a 33), como garantia de seu débito, resolvendo-se o direito do adquirente com o adimplemento da obrigação, ou melhor, com o pagamento da dívida garantida. Constitui-se um direito real de garantia. 
II) Já o arrendamento mercantil (leasing) é o meio pelo qual a pessoa jurídica ou física, visando a utilização de bem móvel procede para que a instituição financeira adquira o bem e o alugue por prazo determinado, estabelecendo que, ao término do prazo, possa escolher entre 3 (três) opções: devolução do bem, renovação da locação ou aquisição do bem. Uma das principais diferenças se encontra na ausência de propriedade resolúvel no arrendamento mercantil, além de ser instituto com maior complexidade, pois, reúne pluralidade de relações de direito (locação, financiamento e compra e venda). Já na alienação fiduciária, o fiduciante amortiza o débito a cada prestação paga, não lhe restando qualquer valor residual ao tempo do adimplemento.

III) A luz do que disciplina o Direito do Consumidor, o Recurso Repetitivo - REsp n. 148.593-MS – em questão afronta os dispositivos presentes na Lei nº 8.078/90. Determinar o pagamento integral da dívida, no prazo máximo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar ação de busca e apreensão, evidencia total abusividade do credor.  O entendimento do STJ é prejudicial ao consumidor, porque antes dessa decisão, os juízes aplicavam o posicionamento que, com o pagamento das parcelas vencidas, era possível devolver a posse direta do bem ao devedor e continuar a obrigação do ponto que estava. Com o novo entendimento, os juízes estão aplicando a disposição literal da Lei 9.514/97, determinando que para o credor retomar o bem, é necessário pagar as parcelas vencidas e vincendas (integralidade), aplicando o vencimento antecipado da obrigação.

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