quinta-feira, 19 de março de 2015

SEMINÁRIO 22 - MÓD. III - DIREITO DE ARREPENDIMENTO NO CDC

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” - Especialização em Direito do Consumidor
Módulo 3 - Seminário 22, de 09/10/2014
DIREITO DE ARREPENDIMENTO NO CDC

1) Como inserir o “direito de arrependimento” conferido ao consumidor nos âmbito da proteção constitucional e dos direitos básicos do consumidor? A proteção legal foi suficiente? É possível defender-se, a partir da proteção constitucional e dos direitos básicos do consumidor, uma desistência imotivada mesmo quando a compra é feita “dentro do estabelecimento”?
R: O instituto do direito de arrependimento encontra-se regrado no art. 49 do CDC e traz a possibilidade de o consumidor desistir da aquisição de um produto ou serviço, quando a transação se der fora do âmbito do estabelecimento ou loja, fisicamente compreendida.
Fora do estabelecimento podem ser as aquisições de produtos ou serviços feitas pela internet, por telefone, pelos correios, por catálogos de porta em porta, em “stands”.
O consumidor tem o prazo de 7 (sete) dias para exercer seu direito de arrependimento, devolvendo o produto ou serviço, independentemente de motivação.
A lógica jurídica é proteger o consumidor das aquisições por impulso, bem como da impossibilidade que não lhe é dada de tatear o objeto ou verificar o serviço, não tendo, com isso, a certeza absoluta de que o produto ou serviço lhe atenderá integralmente. Busca, portanto, garantir ao consumidor o direito à liberdade de escolha, à proteção contra a publicidade abusiva, o direito à informação, muitas vezes exposta de forma vaga pelo fornecedor.
A desistência imotivada é pressuposto para o exercício do direito de arrependimento, não podendo essa desistência ser utilizada quando as aquisições de produtos ou serviços se derem pessoalmente, no estabelecimento comercial, porque nesse local, junto aos representantes do fornecedor (vendedores), o consumidor, quanto aos produtos e serviços dispostos pode esclarecer dúvidas, obter informações mais detalhadas, tatear o objeto ou verificar o serviço, testar, escolher, pedir descontos, etc; diferentemente daquelas aquisições feitas fora do estabelecimento.
2) Qual a natureza do “direito de arrependimento” previsto no CDC? E se o fornecedor, durante a oferta, mencionar “trocamos produtos somente aos sábados” ou se o vendedor informar ao consumidor sobre a possibilidade de troca do produto, há reflexo sobre o “direito de arrependimento”?
R: O direito de arrependimento previsto no artigo 49 do CDC tem natureza jurídica de resilição, visto que representa o desfazimento de um contrato por simples manifestação de vontade do consumidor. Ressalta-se que não pode ser confundido com descumprimento ou inadimplemento, pois na resilição a parte apenas não quer mais prosseguir.
A lei não é expressa quanto à obrigatoriedade de o fornecedor efetuar a troca dos produtos quando não presentes vícios, contudo caso o fornecedor ofereça a possibilidade de troca deverá cumpri-la na forma e condição ofertadas.
O direito de troca (pratica do mercado) em nada prejudica o direito de arrependimento (previsto em lei), em virtude de aquele ser uma forma de alteração do negócio jurídico ao passo que este é simples manifestação acerca do desfazimento de negócio e retorno à situação anterior.
Conclui-se, portanto, que os institutos da troca e do direito de arrependimento são diversos e não podem ser confundidos.
3) O que significa “fora do estabelecimento comercial” no art. 49 do CDC? A compra em ‘sites’ da internet (‘Americanas.com’ ou ‘Submarino’) são inseridas naquele conceito? E compra em ‘stand’?
R: “Fora do estabelecimento comercial” são consideradas as negociações efetivadas por telefone (por meio de televendas); em domicílio (venda porta a porta), por correspondência (por meio de mala direta ou qualquer outra maneira por intermédio postal).
De igual modo, o avanço tecnológico surgido após o advento do CDC, mediante o uso da rede mundial de computadores (internet) e daí decorrentes os ‘sites’ de vendas de produtos também se qualificam como modalidade de venda fora do estabelecimento comercial para fins do que estabelece o artigo 49 da legislação consumerista. O mesmo se aplica para uma compra efetivada em ‘stands’.
O direito de arrependimento visa proteger a real vontade do consumidor, sendo certo que esta somente pode ser bem refletida de maneira distanciada das técnicas de vendas e marketing exercidas tanto a domicílio quanto na “sedução” oferecida nos anúncios  encaminhados via postal, por telefone ou mesmo pela internet.
É evidente os benefícios conferidos aos fornecedores com a venda fora do estabelecimento comercial, mas a finalidade do CDC impõe a proteção ao consumidor levado à vulnerabilidade que decorre de situações que impossibilitam a reflexão madura sobre a contratação, tais como a impossibilidade de comparar o produto com outros disponíveis no mercado, o exíguo tempo para concretização do negócio e a dependência irrestrita às informações que foram prestadas pelo vendedor ou mesmo através de catálogo.
4) Operada a desistência na forma do art. 49 do CDC, pode o fornecedor exigir do consumidor despesas ou multa contratual? Ver acórdão da apelação nº 1.319.223-9 - o fato de o consumidor haver sido sorteado para despertar seu interesse pelo produto e comparecer ao estabelecimento apenas para formalizar a contratação fazia ou não incidir o art. 49 do CDC?
R: Operada a desistência decorrente do direito de arrependimento regulado pelo artigo 49 do CDC, não se vislumbra pertinência na cobrança de despesas ou multa contratual pelo fornecedor.
Isto, porque esta modalidade de desistência remete às partes ao estado anterior à contratação, de tal modo que o parágrafo único do dispositivo legal em evidência confere ao consumidor o direito à devolução imediata dos valores pagos a qualquer título.
Considerando a casuísta relatada no julgamento do recurso nº 1.319.223-9, de rigor a incidência do direito de arrependimento previsto no CDC. Ora, deve ser considerado que houve um processo de captação de cliente (consumidor) em momento anterior à formalização do contrato na sede do estabelecimento.
O caso concreto nos indica que a consumidora foi atraída por meio de sorteio em promoção para adquirir um dos cursos fornecidos pela empresa. Disso se conclui representar “chamariz” para atrair consumidores, que são impulsionados pelo “sorteio”; considerado nesta hipótese como meio de marketing agressivo, circunstância que não permitiu prazo de reflexão racional e livre de qualquer artifício nesta venda emocional.
Assim, pertinente conceder à consumidora o direito de arrependimento no prazo legal de sete dias para que pudesse, de fato, concluir pela real necessidade daquele serviço.
5) Quais os direitos do consumidor em situação de superendividamento, atualmente? Qual a previsão no projeto de reforma do CDC?
R: Como o problema do superendividamento envolve política de crédito e direito do consumidor, atualmente o CDC necessita de mais mecanismos para a sua solução. No entanto, o consumidor pode se valer de alguns direitos já consagrados, tais como conter o abuso de vontade do fornecedor de crédito em cláusulas abusivas (art. 51); liquidar o débito total ou parcial de forma antecipada, com redução proporcional dos juros e demais acréscimos (art. 52, § 2º); direito à informação de maneira clara, adequada e inequívoca acerca do número e periodicidade das prestações (art. 52, IV), e a soma total a ser pagar, com e sem financiamento (art. 52, V).
Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta do consumidor, pessoa física, de boa-fé, de pagar o conjunto de suas dívidas não profissionais, exigíveis e vincenda; é o que preceitua o art. 104-A, § 1º do PL 283/2012, o qual está em tramitação no Congresso Nacional, tendo como objetivos aperfeiçoar a disciplina de crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção do superendividamento.

Destacamos algumas propostas consideradas relevantes à relação consumerista, dentre outros direitos já consagrados no artigo 6º e incisos, do CDC:

a) houve avanços na proposta do PL em questão, no que diz respeito a proporcionar mais autonomia aos juízes na conciliação entre instituições fianceiras e os consumidores, razão pela qual cria instituições de mecanismos de preveção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa física (acrescenta o inciso VI, no art. 5º, CDC), assim como a instituição de núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos do superendividamento (acrescenta o inciso VII, no art. 5º, CDC).

b) o PL também prevê a possibilidade de revisão contratual, possibilitando a repactuação da dívida, ante à cláusula que torne o consumidor demasiadamente vulnerável, por situação manifesta e excessivamentte onerosa, mormente em acontecimentos supervenientes que possam ocorrer durante a vigência do contrato.

c) determina que os bancos orientem os consumidores para uma contratação de crédito consciente, indicando um limite na oferta, caso o consumidor esteja em risco de superendividamento em que ultrapasse os 30% de sua renda disponível (acrescenta o inciso XI, no art. 6º, CDC).

d) busca evitar a exclusão social do consumidor, assegurando o mínimo existencial, ou seja, a manutenção de condições mínimas, especialmente financeiras inerentes à própria sobrevivência, tais como água, lúz, alimentação, saúde, moradia e educação (acrescenta o inciso XII, no art. 6º, CDC). Tudo com base nos princípios da boa-fé, da função social do crédito ao consumidor e do respeito à dignidade humana.

e) destaca-se, ainda, a obrigatoriedade da informação acerca dos preços e produtos congêneres tendo a mesma unidade de referência de quantidade, peso ou volume, conforme o caso (acrescenta o inciso XIII, no art. 6º, CDC).

f) inclui a proposta de alteração da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), especialmente no que concerne ao Capítulo II (Dos Crimes em Espécie), na medida em que acrescenta o parágrafo 3º ao art. 96, de referido estatuto, pois prescreve a não constituição de crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso.


Nesse sentido, levando-se em conta a notória ampliação e o estímulo imoderado ao crédito de pessoa física, além da evidente facilidade nas aquisições de produtos e serviços, circunstância que contribui para a compra por impulso, as contratações implicam no comprometimento da renda pessoal e familiar do consumidor, situação que tende a comprometer a dignidade humana, razão pela qual entendemos ser abusivo, perverso e irresponsável o incentivo ao superendividamento.

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