quinta-feira, 12 de outubro de 2017

SEMINÁRIO 39 - MÓD. IV - PRODUÇÃO DE PROVAS NO CDC

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 4 - Seminário 39, de 07/05/2015
PRODUÇÃO DE PROVAS NO CDC

1) O que significa “ônus da prova? Há fundamento normativo para a aplicação da “teoria da carga dinâmica das provas” no direito brasileiro? Qual a relação entre a “teoria da carga dinâmica das provas” e a “inversão do ônus da prova” prevista no CDC? Como será a disciplina no NCPC?
Resposta à primeira pergunta da questão 1 (O que significa “ônus da prova”?):

O termo ônus vem do latim ônus ou oneris e quer dizer encargo, fardo, carga ou peso, ou seja, significa que o encargo para a produção da prova da alegação de fatos recairá a quem a fizer, em face de quem o suporta. O artigo 333 do Código de Processo Civil adotou a teoria estática do ônus da prova, incumbindo ao autor realizar a prova quanto ao fato constitutivo de seu direito (art. 333, I, do CPC) e ao réu, fazer prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, II, do CPC).

No entanto, nas relações de consumo, para facilitar a defesa do consumidor em juízo, ao contrário do preceituado no art. 333 do CPC, há a possibilidade da inversão do ônus probatório em seu favor, mesmo sendo ele a parte autora da demanda, desde que observados pelo juiz os requisitos necessários para a inversão, quais sejam: a verossimilhança da alegação ou quando ele for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência, de acordo com o art. 6º, VIII, CDC.

Resposta à segunda pergunta da questão 1 (Há fundamento normativo para a aplicação da “teoria da carga dinâmica das provas” no direito brasileiro?):

A “teoria da carga dinâmica das provas” (ou teoria dinâmica da prova ou teoria da distribuição dinâmica da prova) não se encontra normatizada. Trata-se de uma construção doutrinária, oriunda do direito argentino, que surgiu com o intuito de flexibilizar a aplicação do art. 333, do CPC. Essa teoria preconiza a repartição do ônus probatório, incumbindo a prova a quem tiver melhores condições de produzi-la, à luz das circunstâncias do caso concreto, independente de que posição a parte ocupe na demanda ou da natureza do fato probando.

É uma teoria voltada aos escopos modernos do direito processual, sobretudo à efetividade, à verdade e à obtenção de resultados justos, e que parte dos princípios da boa-fé, da cooperação e da solidariedade.

O fundamento, portanto, para aplicação dessa teoria no direito brasileiro é doutrinário e, também, jurisprudencial.

Resposta à terceira pergunta da questão 1 (Qual a relação entre a “teoria da carga dinâmica das provas” e a “inversão do ônus da prova” prevista no CDC?):  

A “teoria da carga dinâmica das provas”, construção doutrinária e jurisprudencial, é aquela na qual o magistrado, por meio de decisão fundamentada, atribui o ônus da prova à parte que, no caso concreto, revele ter as melhores condições de produzi-la. Não se trata de uma espécie de inversão do ônus da prova. Isso porque a parte contrária não assume totalmente o encargo de provar, mas somente de produzir aquela prova que lhe é mais fácil.

O objetivo desta teoria é promover a igualdade, em sentido material, das partes. Busca evitar que uma das partes tenha o ônus de uma prova diabólica, ou seja, aquela prova de impossível produção.

Já a inversão do ônus da prova, decorre de previsão expressa da lei. Pressupõe a existência de uma responsabilidade, a princípio, atribuída a uma das partes, e, uma vez preenchidos os requisitos legais, é transferido o encargo à parte contrária.

A regra de inversão do ônus da prova comumente aplicada é a prevista no art. 6º, VIII, do CDC, que condiciona sua incidência à verossimilhança da alegação ou hipossuficiência.

Além da regra do art. 6º, VIII do CDC, a inversão do ônus da prova encontra-se preceituada nos artigos 6º, VIII; 12, §3º; 14, §3º e art. 38 todos também do CDC (hipóteses de inversão ope legis) e no CPC, no art. 333, parágrafo único (hipótese de inversão convencional).

Resposta à quarta pergunta da questão 1 (Como será disciplinado no novo CPC?):

A “teoria da carga dinâmica probatória” deixa de ser apenas construção doutrinária e jurisprudencial e passa a ser disciplinada no novo Código de Processo Civil (NCPC - Lei nº 13.105/15) no §1º do art. 373, in verbis:

Art. 373.  O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
(grifo nosso)

A regra do ônus da prova, no NCPC (art. 373, I e II), continua igual a do ainda vigente CPC de 1973 (Lei nº 5869/73), sofrendo, contudo, o acréscimo da “teoria da carga dinâmica probatória” no citado §1º do art. 373, cuja aplicação se dará, excepcionalmente, nos casos em que o litigante tem a incumbência de produção de uma prova e não tem condições de fazê-la, ocasião em que o magistrado, mediante decisão fundamentada, deslocará o ônus da prova para aquele que inicialmente não o tem, pois possui melhores condições de cumpri-lo.

A aplicação da “teoria da carga dinâmica probatória” no processo civil brasileiro tem por fim proporcionar à sociedade o direito a um processo célere, eficiente e efetivo, garantindo a aplicação do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. 

2) Na inversão do ônus da prova prevista no CDC, também deve ocorrer a inversão do ônus financeiro? Se não houver inversão do ônus financeiro, qual a consequência para o fornecedor pela não produção da prova? E se a não produção da prova se der por uma conduta exclusiva do consumidor (não fornecimento de material seu para perícia), qual será a consequência?
R: Não necessariamente, entendemos que a inversão do ônus da prova implica, inicialmente, apenas na transferência para o fornecedor de provar o seu direito, não ficando o fornecedor responsável pelo pagamento da prova requisitada. Assim, no caso do consumidor hipossuficiente economicamente, pode se valer dos benefícios da assistência judiciária.
Por outro lado, há quem entenda que a inversão do ônus da prova provoca também a inversão do ônus financeiro, não desvinculando um instituto do outro. Controvertida a questão na doutrina e jurisprudência.
Caso não ocorra a inversão do ônus financeiro, o próprio fornecedor poderá sofrer as consequências com a não realização da prova, já que pela inversão do ônus da prova o fato alegado pelo consumidor deve ser contraprovado pelo fornecedor. 
No entanto, caso o consumidor não possibilite a produção da prova, recusando-se a fornecer material imprescindível para realização da perícia, esse não poderá se valer de sua desídia. Possível, inclusive, a aplicação analógica do art. 333, I do CPC.
3) Quais os momentos possíveis de inversão do ônus da prova? Na apreciação da inicial, do saneador, na sentença etc.? Pode haver inversão no julgamento do recurso de apelação? E no recurso especial? Como se dá a inversão no âmbito do Juizado Especial Cível?
R: Entendemos que a inversão do ônus da prova deve ocorrer, preferencialmente, no despacho saneador, ou seja, antes da instrução probatória, a fim de que as partes possam comprovar suas alegações com plena ciência a quem incube o ônus probatório. Entretanto, podemos considerar que a inversão do ônus pode ocorrer na sentença, no Recurso de Apelação e até mesmo no Recurso Especial, se for reconhecida a violação ao artigo 06º, VIII, do CDC, desde que não haja a reapreciação dos fatos (Súmula 07, do STJ).
Com relação ao Juizado Especial Cível, verifica-se que a inversão ocorre, geralmente, na audiência de instrução e julgamento, pois é neste momento que ocorre a instrução e o julgamento da demanda, ou seja, praticamente todos os atos processuais ocorrem nesta ocasião.  Contudo, muitos juízes, atualmente, têm recebido a inicial e proferido despacho inicial apreciando a questão da inversão do ônus, a fim de que as partes já tenham ciência da referida inversão e possam atuar de forma mais eficaz.
4) A previsão das excludentes dos artigos 12 (parágrafo 3º) e 14 (parágrafo 3º) do CDC representam inversão do ônus da prova? O juiz deve verificar a presença de verossimilhança ou de hipossuficiência?
R: Para a solução da questão proposta deve ser analisado cada dispositivo legal isoladamente, vez que oferecem situações diversas quanto ao ônus da prova.
A hipótese de fato do produto contida no art. 12 do CDC basta ao consumidor a demonstração do acidente de consumo e o nexo causal entre o fato e o dano. Neste caso, o fornecedor pode se desonerar da obrigação de indenizar se provar uma das situações descritas no parágrafo terceiro do dispositivo legal em evidência (inexistência de defeito; ausência de responsabilidade pela colocação do produto no mercado; culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro).
Provado o acidente e o dano pelo consumidor, cabe ao fornecedor o ônus imposto pelo inciso II, do artigo 333 do CPC, ou seja, a comprovação de fato modificativo, impeditivo ou extinto do direito do consumidor.
Portanto, nesta modalidade (art. 12, § 3º do CDC), não há que se falar em inversão do ônus da prova, vez que a análise conjunta do art. 12/CDC com o art. 333/CPC implica reconhecer que o ônus da desoneração da responsabilidade recai naturalmente ao ofensor (fornecedor).
No tocante ao casos de vício, a situação é diversa. O artigo 18 do CDC não repete a redação do art. 12 (“independentemente da existência de culpa”). Com isso, em alguns casos será necessária a produção até mesmo de prova técnica quanto ao produto ou serviço prestado com o fim de comprovar a ocorrência do mencionado vício.
Neste caso pode ocorrer de o julgador reconhecer a inversão do ônus da prova atribuindo ao fornecedor o dever de provar a inexistência do vício ou culpa exclusiva da vítima; o que se dará mediante análise da hipossuficiência do consumidor e verossimilhança dos fatos alegados.
Há quem entenda que a inversão do ônus da prova por ocasião do julgamento fere os princípios da ampla defesa e contraditório, pois esta conduta no momento do julgamento impediria a produção de prova da ausência do alegado vício ou mesmo a culpa exclusiva da vítima; posicionamento que acompanhamos, uma vez que o indicado seria estabelecer a inversão do ônus da prova desde logo no início do curso da ação, com o intuito de permitir ao fornecedor a comprovação de sua tese de defesa, sem implicar em ofensa ao contraditório e ampla defesa.