ESCOLA
PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso
de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 4 -
Seminário 35, de 19/03/2015
TUTELA
PROCESSUAL CONSTITUCIONAL
1) Como devem ser harmonizados os princípios constitucionais
da proteção do consumidor e os princípios do devido processo legal e da ampla
defesa? A facilitação da defesa dos direitos do consumidor em Juízo significa
violação do devido processo legal? A inversão do ônus da prova traduz violação
da ampla defesa?
R:
O CDC, no art. 1º preceitua que o código estabelece normas de proteção e defesa
do consumidor, de ordem pública e interesse social, com fundamento nos artigos
5º, XXXII, 170, V, da CF e no art. 48, do ADCT.
Visando
ao equilíbrio da relação de consumo, o artigo 4º do CDC elenca uma série
princípios inspirados na Constituição Federal, tais como o da dignidade do
consumidor, da saúde e da segurança, a proteção de seus interesses econômicos,
a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia,
vulnerabilidade, hipossuficiência etc, guardando, portanto, perfeita harmonia
com a Constituição Federal.
Todos
esses princípios que fundamentam a proteção e defesa do consumidor visam dar
equilíbrio numa relação que na sua origem já nasce desequilibrada.
Os
princípios do devido processo legal e da ampla defesa devem ser respeitados na
relação de consumo conferindo às partes da relação o direito a um processo
justo, acesso à justiça, a publicidade, acesso aos órgãos judiciários (art. 6.
VII, do CDC), proteção jurídica aos necessitados (art. 6º, VII, do CDC) etc.
A
facilitação da defesa dos direitos do consumidor já se trata da aplicação do
princípio do devido processo legal. O devido processo legal visa a dar
tratamento isonômico às partes em Juízo. E como dar tratamento isonômico se
elas são desiguais desde sua origem? O devido processo legal seria violado se
não se conferisse facilitação da defesa dos direitos do consumidor, porque essa
facilitação é que traz as partes a uma situação equilibrada.
Não
haverá violação ao princípio da ampla defesa se a inversão do ônus da prova for
conferida ao fornecedor no sentido de provar que o ato foi realizado ao
consumidor. Visa aqui proteger o próprio fornecedor que tem o direito de provar
o que fez, já que a ninguém é possível impor a produção de prova negativa.
2) A proteção constitucional do consumidor afeta a postura
do juiz no processo civil? Na efetivação dos direitos constitucionais e básicos
do consumidor, o juiz perde sua imparcialidade?
R:
Como já se sabe, a proteção do consumidor será promovida pelo Estado e configura
direito fundamental, nos termos do artigo 5º, XXXII, da Constituição Federal.
Assim sendo, o juiz, que aplica as leis elaboradas pelo Estado e que também faz
parte dele, deve decidir em consonância com essa ótica protetiva.
Com
relação ao processo civil, o magistrado tem ferramentas legalmente previstas
que reequilibram a relação entre consumidor e fornecedor e tem o dever de
aplicá-las, mas isso não significa que deve haver uma superproteção, tendo em
vista justamente a imparcialidade do magistrado que precisa ser mantida na
instrução processual.
Portanto,
o juiz deve garantir os direitos processuais do consumidor, positivados tão
somente para alcançar o equilíbrio decorrente de sua vulnerabilidade econômica,
jurídica e informacional, não devendo privilegiar de forma desmotivada e sem
base legal (constitucional ou principiológica) o consumidor, sob pena de
tornar-se parcial.
Com
relação ao direito material, o juiz é livre para se convencer, desde que
fundamente sua decisão, nos termos do artigo 93, inciso IX, da Constituição
Federal.
3) Ao analisar o caso concreto, o juiz pode aplicar o princípio da
proporcionalidade para contrapor o direito do consumidor ao direito do
fornecedor? Por exemplo, na análise da impenhorabilidade de um bem de família
de um fornecedor, que princípio (consagrando direito fundamental) deve
prevalecer, a proteção do consumidor pelo Estado ou o direito à moradia? A
dignidade humana deve influenciar nesta análise?
R: Os princípios da ponderação, razoabilidade, proteção do consumidor,
dignidade da pessoa humana, bem como o direito fundamental à moradia são normas
constitucionais que possuem igualdade hierárquica, segundo entendimento do STF.
Diante da situação
ventilada, é necessário estabelecer a denominada teoria da ponderação dos
princípios constitucionais, que consiste, em breve síntese, na análise do caso
concreto para se determinar qual norma constitucional deverá prevalecer.
Na situação em concreto,
o magistrado poderá relativizar o principio da moradia (impenhorabilidade do
bem de família) e também a proteção ao consumidor, devendo chegar a um ponto em
comum capaz de satisfazer o crédito do consumidor, mas também tutelar a moradia
do fornecedor. Para essa relativização é possível aplicar os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade, fazendo com que o fornecedor perca parte
de seu patrimônio para satisfazer o consumidor, mas mantenha o mínimo para que
consiga exercer seu também direito constitucional à moradia.
Como dito, as normas
constitucionais tem igual hierarquia, e a constituição deve ser interpretada
como um todo (princípio da unidade constitucional), portanto nessa
relativização deve-se usar não somente o principio da dignidade da pessoa
humana, mas também outros aplicáveis ao caso, como, por exemplo, o da função
social da propriedade.
4) A partir dos princípios constitucionais da tutela do
consumidor e da duração razoável do processo, o juiz pode ordenar que uma prova
pericial seja realizada fora do IMESC, diante da demora da perícia nesta
autarquia e da insuficiência técnica (falta de condições de realização de
diligências externas e carência de profissionais e exames)? Fazer a análise
crítica do acórdão do Agravo de Instrumento nº 990.10.125367-4, TJSP, 8º Câmara
de Direito Privado, relator o Desembargador CAETANO LAGRASTA, julgado em
23.06.2010.
R: Aplicando o princípio
constitucional do acesso à justiça (Art. 5º, XXXV e LXXIV), numa ordem jurídica
justa, e o princípio da duração razoável do processo (Art. 5º, LXXVIII), todos
da Carta Republicana, especialmente quando está configurada uma relação de
consumo (Art. 5°, XXXII, CF/88) e (Art. 6, VIII, CDC), como é caso do Acórdão
em comento, o juiz, valendo-se também dos princípios da solidariedade e da
igualdade entre as partes, a fim de facilitar a defesa do consumidor em juízo,
certamente poderá ordenar que uma prova pericial seja realizada fora do Órgão
responsável, adotando, desde logo, a prova dinâmica como circunstância do
verdadeiro e eficaz julgamento.
Nesse sentido, na
análise crítica do Acórdão em Agravo de Instrumento nº 990.10.125367-4.TJSP,
entendemos que o juiz objetivou dar um desfecho célere e garantidor da ampla
defesa e do contraditório de ambas as partes, acertando na decisão de autorizar
que fosse feito novo laudo, nomeando um perito de sua confiança e sendo
custeado pelos requeridos, em razão dos graves problemas que a consumidora
suportaria pela inércia do IMESC em produzir esse documento.
Vale lembrar que os
óbices de ordem técnica e de recursos humanos que o IMESC enfrenta não podem
servir de justificativa para a morosidade da produção do novo laudo, muito
menos exigir que o consumidor vulnerável e hipossuficiente, tanto técnica como
economicamente, tenha que aguardar pacientemente por uma prova pericial.