segunda-feira, 12 de junho de 2017

SEMINÁRIO 35 - MÓD. IV - TUTELA PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 4 - Seminário 35, de 19/03/2015
TUTELA PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

1) Como devem ser harmonizados os princípios constitucionais da proteção do consumidor e os princípios do devido processo legal e da ampla defesa? A facilitação da defesa dos direitos do consumidor em Juízo significa violação do devido processo legal? A inversão do ônus da prova traduz violação da ampla defesa?
R: O CDC, no art. 1º preceitua que o código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, com fundamento nos artigos 5º, XXXII, 170, V, da CF e no art. 48, do ADCT.
Visando ao equilíbrio da relação de consumo, o artigo 4º do CDC elenca uma série princípios inspirados na Constituição Federal, tais como o da dignidade do consumidor, da saúde e da segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia, vulnerabilidade, hipossuficiência etc, guardando, portanto, perfeita harmonia com a Constituição Federal.
Todos esses princípios que fundamentam a proteção e defesa do consumidor visam dar equilíbrio numa relação que na sua origem já nasce desequilibrada.
Os princípios do devido processo legal e da ampla defesa devem ser respeitados na relação de consumo conferindo às partes da relação o direito a um processo justo, acesso à justiça, a publicidade, acesso aos órgãos judiciários (art. 6. VII, do CDC), proteção jurídica aos necessitados (art. 6º, VII, do CDC) etc.
A facilitação da defesa dos direitos do consumidor já se trata da aplicação do princípio do devido processo legal. O devido processo legal visa a dar tratamento isonômico às partes em Juízo. E como dar tratamento isonômico se elas são desiguais desde sua origem? O devido processo legal seria violado se não se conferisse facilitação da defesa dos direitos do consumidor, porque essa facilitação é que traz as partes a uma situação equilibrada.
Não haverá violação ao princípio da ampla defesa se a inversão do ônus da prova for conferida ao fornecedor no sentido de provar que o ato foi realizado ao consumidor. Visa aqui proteger o próprio fornecedor que tem o direito de provar o que fez, já que a ninguém é possível impor a produção de prova negativa.
2) A proteção constitucional do consumidor afeta a postura do juiz no processo civil? Na efetivação dos direitos constitucionais e básicos do consumidor, o juiz perde sua imparcialidade?
R: Como já se sabe, a proteção do consumidor será promovida pelo Estado e configura direito fundamental, nos termos do artigo 5º, XXXII, da Constituição Federal. Assim sendo, o juiz, que aplica as leis elaboradas pelo Estado e que também faz parte dele, deve decidir em consonância com essa ótica protetiva.
Com relação ao processo civil, o magistrado tem ferramentas legalmente previstas que reequilibram a relação entre consumidor e fornecedor e tem o dever de aplicá-las, mas isso não significa que deve haver uma superproteção, tendo em vista justamente a imparcialidade do magistrado que precisa ser mantida na instrução processual.
Portanto, o juiz deve garantir os direitos processuais do consumidor, positivados tão somente para alcançar o equilíbrio decorrente de sua vulnerabilidade econômica, jurídica e informacional, não devendo privilegiar de forma desmotivada e sem base legal (constitucional ou principiológica) o consumidor, sob pena de tornar-se parcial.
Com relação ao direito material, o juiz é livre para se convencer, desde que fundamente sua decisão, nos termos do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. 
3) Ao analisar o caso concreto, o juiz pode aplicar o princípio da proporcionalidade para contrapor o direito do consumidor ao direito do fornecedor? Por exemplo, na análise da impenhorabilidade de um bem de família de um fornecedor, que princípio (consagrando direito fundamental) deve prevalecer, a proteção do consumidor pelo Estado ou o direito à moradia? A dignidade humana deve influenciar nesta análise?
R: Os princípios da ponderação, razoabilidade, proteção do consumidor, dignidade da pessoa humana, bem como o direito fundamental à moradia são normas constitucionais que possuem igualdade hierárquica, segundo entendimento do STF.
Diante da situação ventilada, é necessário estabelecer a denominada teoria da ponderação dos princípios constitucionais, que consiste, em breve síntese, na análise do caso concreto para se determinar qual norma constitucional deverá prevalecer.
Na situação em concreto, o magistrado poderá relativizar o principio da moradia (impenhorabilidade do bem de família) e também a proteção ao consumidor, devendo chegar a um ponto em comum capaz de satisfazer o crédito do consumidor, mas também tutelar a moradia do fornecedor. Para essa relativização é possível aplicar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fazendo com que o fornecedor perca parte de seu patrimônio para satisfazer o consumidor, mas mantenha o mínimo para que consiga exercer seu também direito constitucional à moradia.
Como dito, as normas constitucionais tem igual hierarquia, e a constituição deve ser interpretada como um todo (princípio da unidade constitucional), portanto nessa relativização deve-se usar não somente o principio da dignidade da pessoa humana, mas também outros aplicáveis ao caso, como, por exemplo, o da função social da propriedade.
4) A partir dos princípios constitucionais da tutela do consumidor e da duração razoável do processo, o juiz pode ordenar que uma prova pericial seja realizada fora do IMESC, diante da demora da perícia nesta autarquia e da insuficiência técnica (falta de condições de realização de diligências externas e carência de profissionais e exames)? Fazer a análise crítica do acórdão do Agravo de Instrumento nº 990.10.125367-4, TJSP, 8º Câmara de Direito Privado, relator o Desembargador CAETANO LAGRASTA, julgado em 23.06.2010.
R: Aplicando o princípio constitucional do acesso à justiça (Art. 5º, XXXV e LXXIV), numa ordem jurídica justa, e o princípio da duração razoável do processo (Art. 5º, LXXVIII), todos da Carta Republicana, especialmente quando está configurada uma relação de consumo (Art. 5°, XXXII, CF/88) e (Art. 6, VIII, CDC), como é caso do Acórdão em comento, o juiz, valendo-se também dos princípios da solidariedade e da igualdade entre as partes, a fim de facilitar a defesa do consumidor em juízo, certamente poderá ordenar que uma prova pericial seja realizada fora do Órgão responsável, adotando, desde logo, a prova dinâmica como circunstância do verdadeiro e eficaz julgamento.

Nesse sentido, na análise crítica do Acórdão em Agravo de Instrumento nº 990.10.125367-4.TJSP, entendemos que o juiz objetivou dar um desfecho célere e garantidor da ampla defesa e do contraditório de ambas as partes, acertando na decisão de autorizar que fosse feito novo laudo, nomeando um perito de sua confiança e sendo custeado pelos requeridos, em razão dos graves problemas que a consumidora suportaria pela inércia do IMESC em produzir esse documento.


Vale lembrar que os óbices de ordem técnica e de recursos humanos que o IMESC enfrenta não podem servir de justificativa para a morosidade da produção do novo laudo, muito menos exigir que o consumidor vulnerável e hipossuficiente, tanto técnica como economicamente, tenha que aguardar pacientemente por uma prova pericial.

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