ESCOLA
PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso
de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 4 -
Seminário 39, de 07/05/2015
PRODUÇÃO
DE PROVAS NO CDC
1) O que significa “ônus da prova? Há fundamento normativo
para a aplicação da “teoria da carga dinâmica das provas” no direito
brasileiro? Qual a relação entre a “teoria da carga dinâmica das provas” e a
“inversão do ônus da prova” prevista no CDC? Como será a disciplina no NCPC?
Resposta à
primeira pergunta da questão 1 (O que significa “ônus da prova”?):
O termo ônus vem do latim ônus ou oneris e quer
dizer encargo, fardo, carga ou peso, ou seja, significa que o encargo para a
produção da prova da alegação de fatos recairá a quem a fizer, em face de quem
o suporta. O artigo 333 do Código de Processo Civil adotou a teoria estática
do ônus da prova, incumbindo ao autor realizar a prova quanto ao fato
constitutivo de seu direito (art. 333, I, do CPC) e ao réu, fazer prova quanto
à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor
(art. 333, II, do CPC).
No entanto, nas relações de consumo, para facilitar
a defesa do consumidor em juízo, ao contrário do preceituado no art. 333 do
CPC, há a possibilidade da inversão do ônus probatório em seu favor, mesmo sendo
ele a parte autora da demanda, desde que observados pelo juiz os requisitos
necessários para a inversão, quais sejam: a verossimilhança da alegação ou
quando ele for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência, de
acordo com o art. 6º, VIII, CDC.
Resposta à
segunda pergunta da questão 1 (Há fundamento
normativo para a aplicação da “teoria da carga dinâmica das provas” no direito
brasileiro?):
A “teoria
da carga dinâmica das provas” (ou teoria dinâmica da prova ou teoria da
distribuição dinâmica da prova) não se encontra normatizada. Trata-se de uma
construção doutrinária, oriunda do direito argentino, que surgiu com o intuito
de flexibilizar a aplicação do art. 333, do CPC. Essa teoria preconiza a
repartição do ônus probatório, incumbindo a prova a quem tiver melhores
condições de produzi-la, à luz das circunstâncias do caso concreto,
independente de que posição a parte ocupe na demanda ou da natureza do fato
probando.
É uma teoria voltada aos escopos
modernos do direito processual, sobretudo à efetividade, à verdade e à obtenção
de resultados justos, e que parte dos princípios da boa-fé, da cooperação e da
solidariedade.
O fundamento, portanto, para aplicação
dessa teoria no direito brasileiro é doutrinário e, também, jurisprudencial.
Resposta à
terceira pergunta da questão 1 (Qual a relação
entre a “teoria da carga dinâmica das provas” e a “inversão do ônus da prova”
prevista no CDC?):
A “teoria
da carga dinâmica das provas”, construção doutrinária e jurisprudencial, é
aquela na qual o magistrado, por meio de decisão fundamentada, atribui o ônus
da prova à parte que, no caso concreto, revele ter as melhores condições de
produzi-la. Não se trata de uma espécie de inversão do ônus da prova. Isso
porque a parte contrária não assume totalmente o encargo de provar, mas somente
de produzir aquela prova que lhe é mais fácil.
O objetivo desta teoria é promover a
igualdade, em sentido material, das partes. Busca evitar que uma das partes
tenha o ônus de uma prova diabólica, ou seja, aquela prova de impossível
produção.
Já a inversão do ônus da prova, decorre de previsão expressa da lei.
Pressupõe a existência de uma responsabilidade, a princípio, atribuída a uma
das partes, e, uma vez preenchidos os requisitos legais, é transferido o encargo
à parte contrária.
A regra de inversão do ônus da prova
comumente aplicada é a prevista no art. 6º, VIII, do CDC, que condiciona sua
incidência à verossimilhança da alegação ou hipossuficiência.
Além da regra do art. 6º, VIII do CDC,
a inversão do ônus da prova encontra-se preceituada nos artigos 6º, VIII; 12,
§3º; 14, §3º e art. 38 todos também do CDC (hipóteses de inversão ope legis) e no CPC, no art. 333,
parágrafo único (hipótese de inversão convencional).
Resposta à
quarta pergunta da questão 1 (Como será disciplinado no novo CPC?):
A “teoria da
carga dinâmica probatória” deixa de ser apenas construção doutrinária e
jurisprudencial e passa a ser disciplinada no novo Código de Processo Civil
(NCPC - Lei nº 13.105/15) no §1º do art. 373, in verbis:
Art. 373.
O ônus da prova incumbe:
§ 1o Nos casos previstos em
lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à
excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à
maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir
o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada,
caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe
foi atribuído.
(grifo
nosso)
A regra do ônus da prova, no NCPC (art. 373, I e
II), continua igual a do ainda vigente CPC de 1973 (Lei nº 5869/73), sofrendo,
contudo, o acréscimo da “teoria da carga
dinâmica probatória” no citado §1º do art. 373, cuja aplicação se dará, excepcionalmente, nos casos em que o
litigante tem a incumbência de produção de uma prova e não tem condições de
fazê-la, ocasião em que o magistrado, mediante decisão fundamentada, deslocará
o ônus da prova para aquele que inicialmente não o tem, pois possui melhores
condições de cumpri-lo.
A aplicação da “teoria da carga dinâmica probatória” no processo civil brasileiro
tem por fim proporcionar à sociedade o direito a um processo célere, eficiente
e efetivo, garantindo a aplicação do contraditório, ampla defesa e devido
processo legal.
2) Na inversão do ônus da prova prevista no CDC, também deve
ocorrer a inversão do ônus financeiro? Se não houver inversão do ônus
financeiro, qual a consequência para o fornecedor pela não produção da prova? E
se a não produção da prova se der por uma conduta exclusiva do consumidor (não
fornecimento de material seu para perícia), qual será a consequência?
R:
Não necessariamente, entendemos que a inversão do ônus da prova implica,
inicialmente, apenas na
transferência para o fornecedor de provar o seu direito, não ficando o
fornecedor responsável pelo pagamento da prova requisitada. Assim, no caso do
consumidor hipossuficiente economicamente, pode se valer dos benefícios da
assistência judiciária.
Por
outro lado, há quem entenda que a inversão do ônus da prova provoca também a
inversão do ônus financeiro, não desvinculando um instituto do outro.
Controvertida a questão na doutrina e jurisprudência.
Caso
não ocorra a inversão do ônus financeiro, o próprio fornecedor poderá sofrer as
consequências com a não realização da prova, já que pela inversão do ônus da
prova o fato alegado pelo consumidor deve ser contraprovado pelo
fornecedor.
No
entanto, caso o consumidor não possibilite a produção da prova, recusando-se a
fornecer material imprescindível para realização da perícia, esse não poderá se
valer de sua desídia. Possível, inclusive, a aplicação analógica do art. 333, I
do CPC.
3) Quais os momentos possíveis de inversão do ônus da prova? Na
apreciação da inicial, do saneador, na sentença etc.? Pode haver inversão no
julgamento do recurso de apelação? E no recurso especial? Como se dá a inversão
no âmbito do Juizado Especial Cível?
R: Entendemos que a
inversão do ônus da prova deve ocorrer, preferencialmente, no despacho
saneador, ou seja, antes da instrução probatória, a fim de que as partes possam
comprovar suas alegações com plena ciência a quem incube o ônus probatório.
Entretanto, podemos considerar que a inversão do ônus pode ocorrer na sentença,
no Recurso de Apelação e até mesmo no Recurso Especial, se for reconhecida a
violação ao artigo 06º, VIII, do CDC, desde que não haja a reapreciação dos
fatos (Súmula 07, do STJ).
Com relação ao Juizado
Especial Cível, verifica-se que a inversão ocorre, geralmente, na audiência de
instrução e julgamento, pois é neste momento que ocorre a instrução e o
julgamento da demanda, ou seja, praticamente todos os atos processuais ocorrem
nesta ocasião. Contudo, muitos juízes,
atualmente, têm recebido a inicial e proferido despacho inicial apreciando a
questão da inversão do ônus, a fim de que as partes já tenham ciência da
referida inversão e possam atuar de forma mais eficaz.
4) A previsão das excludentes dos artigos 12 (parágrafo 3º)
e 14 (parágrafo 3º) do CDC representam inversão do ônus da prova? O juiz deve
verificar a presença de verossimilhança ou de hipossuficiência?
R: Para a solução da questão proposta
deve ser analisado cada dispositivo legal isoladamente, vez que oferecem
situações diversas quanto ao ônus da prova.
A hipótese de fato do produto contida
no art. 12 do CDC basta ao consumidor a demonstração do acidente de consumo e o
nexo causal entre o fato e o dano. Neste caso, o fornecedor pode se desonerar
da obrigação de indenizar se provar uma das situações descritas no parágrafo
terceiro do dispositivo legal em evidência (inexistência de defeito; ausência
de responsabilidade pela colocação do produto no mercado; culpa exclusiva do
consumidor ou de terceiro).
Provado o acidente e o dano pelo
consumidor, cabe ao fornecedor o ônus imposto pelo inciso II, do artigo 333 do
CPC, ou seja, a comprovação de fato modificativo, impeditivo ou extinto do
direito do consumidor.
Portanto, nesta modalidade (art. 12, §
3º do CDC), não há que se falar em inversão do ônus da prova, vez que a análise
conjunta do art. 12/CDC com o art. 333/CPC implica reconhecer que o ônus da
desoneração da responsabilidade recai naturalmente ao ofensor (fornecedor).
No tocante ao casos de vício, a
situação é diversa. O artigo 18 do CDC não repete a redação do art. 12
(“independentemente da existência de culpa”). Com isso, em alguns casos será
necessária a produção até mesmo de prova técnica quanto ao produto ou serviço
prestado com o fim de comprovar a ocorrência do mencionado vício.
Neste caso pode ocorrer de o julgador
reconhecer a inversão do ônus da prova atribuindo ao fornecedor o dever de
provar a inexistência do vício ou culpa exclusiva da vítima; o que se dará
mediante análise da hipossuficiência do consumidor e verossimilhança dos fatos
alegados.
Há quem entenda que a inversão do ônus
da prova por ocasião do julgamento fere os princípios da ampla defesa e
contraditório, pois esta conduta no momento do julgamento impediria a produção
de prova da ausência do alegado vício ou mesmo a culpa exclusiva da vítima;
posicionamento que acompanhamos, uma vez que o indicado seria estabelecer a
inversão do ônus da prova desde logo no início do curso da ação, com o intuito
de permitir ao fornecedor a comprovação de sua tese de defesa, sem implicar em
ofensa ao contraditório e ampla defesa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário