quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

SEMINÁRIO 40 - MÓD. IV - COISA JULGADA NO CDC

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 4 - Seminário 40, de 14/05/2015
COISA JULGADA NO CDC

1) O que significa “efeitos da sentença”? Há diferença para “coisa julgada”? Explicar.

R: Os efeitos da sentença subdividem-se em duas espécies: principais e secundários. O primeiro (principal) diz respeito ao conteúdo da decisão, tais como providências executivas, a constituição de situação jurídica nova. Já o segundo (secundário) são aqueles decorrentes de disposição legal, não se referem ao conteúdo da decisão, mas sim a uma determinação legal.
A coisa julgada, por sua vez, perpetua os efeitos da sentença. Tem-se por coisa julgada a imutabilidade das decisões emanadas pelo Poder Judiciário (art. 5º, XXXVI, da CF/88). A coisa julgada divide-se em formal e material. Enquanto a formal se restringe ao processo em que foi proferida a decisão e acontece em decorrência do esgotamento das vias recursais ou pelo decurso do prazo, a coisa julgada material produz efeitos além dos limites daquele processo, torna a própria matéria impossível de rediscussão.

2) Qual a diferença entre “coisa julgada formal” e “coisa julgada material”? Uma sentença proferida em sede de ação civil pública (em litígio de consumo) e que julga extinto o processo sem resolução do mérito por ausência de legitimidade ativa do Ministério Público pode ser novamente ajuizada?

Resposta à primeira pergunta da questão 2: A coisa julgada material é a situação jurídica que se caracteriza pela proibição de repetição do exercício da mesma atividade jurisdicional, sobre decisão de mérito, pelas mesmas partes (e, excepcionalmente, por terceiros), em processos futuros (art. 301, §§ 1 e 4º e 467 todos do atual CPC/art. 337, §§ 1º e 4º e art. 502 todos do NCPC). 
A coisa julgada formal, por seu turno, representa a situação jurídica que se caracteriza pela proibição da repetição do exercício da mesma atividade jurisdicional, sobre decisão terminativa, pelas mesmas partes (e, excepcionalmente, por terceiros), em processos futuros (art. 301, §§ 1 e 4º e 467 todos do atual CPC/art. 337, §§ 1º e 4º, e §1º e art. 502, todos do NCPC).
Como espécies do mesmo gênero, ambas guardam pontos de identidade e de diferenciação. A diferença reside no conteúdo da decisão judicial: a coisa julgada material incide sobre decisões de mérito, chamadas definitivas; a coisa julgada formal acoberta decisões relativas a questões formais, chamadas de terminativas. O ponto de identidade é a capacidade que têm de produzirem efeitos externos ao processo em que foi proferida a decisão judicial. Esta eficácia externa impede a repetição do exercício da mesma atividade jurisdicional, em processos futuros, sobre o mesmo objeto, que poderá ser o mérito, no caso de coisa julgada material, ou uma questão formal (como um pressuposto processual), no caso de coisa julgada formal.
Resposta à segunda pergunta da questão 2: Entendemos que não. A Ação Civil Pública poderá ser reproposta como uma ação individual poderá ser também ajuizada, porque a decisão que extinguiu o processo sem resolução do mérito por ausência de legitimidade ativa do Ministério Público foi alcançada apenas pela COISA JULGADA FORMAL, posto que não se resolveu o mérito, julgando-se uma questão de cunho processual.

3) Como se dá a coisa julgada material no Código de Defesa do Consumidor? Explicar as situações em relação aos limites objetivos e subjetivos, diferenciando-se direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

R: Primeiramente, é importante ressaltar que o regime adotado sobre a coisa julgada prevista no CPC não é o mesmo adotado no CDC. No Código de Processo Civil, a coisa julgada traduz-se na impossibilidade de que haja outra decisão sobre questões já decididas na controvérsia, objetivando alcançar a consolidação da definitividade da sentença e, via de consequência, a segurança social (Art. 5º, XXXVI, CF/88, Art. 467 a 475, CPC), onde a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando nem prejudicando terceiros (Art. 472, CPC – 1ª Parte).

No CDC, o legislador procurou adotar uma técnica que atendesse a efetividade dos direitos ou interesses de massa, como se dá nos direitos difusos e coletivos. Conforme os arts. 103, I, II e III, CDC, combinado com o art. 21, da LACP, a coisa julgada material dar-se-á apenas no âmbito da tutela coletiva, não implicando em qualquer consequência na esfera individual. Os interesses difusos estão previstos no art. 81, parágrafo único, do CDC e são os transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por uma circunstância de fato. Com respeito aos aspectos objetivos, a característica marcante é a indivisibilidade do bem jurídico, ou seja, uma única ofensa prejudica a todos e uma solução a todos beneficia.

No caso de ações coletivas onde se pleiteia a proteção de interesses coletivos stritu sensu, o art. 103, I, CDC dispõe que a sentença fará coisa julgada ultra partes apenas ao grupo, categoria ou classe, exceto quando houver improcedência do pedido por falta de provas. Na tutela dos direitos individuais homogêneos ocorrerão somente os efeitos erga omnes, previstos em lei, caso haja procedência do pedido a beneficiar todas as vítimas e sucessores (Art. 103, III, CDC e Art. 21, da LACP). Mas, se julgado o pedido improcedente só produzirá efeitos entre as partes que integraram e que fizeram parte do contraditório no processo (art. 103, CDC).

Os limites subjetivos da coisa julgada no processo coletivo estão elencados no art. 103, I, CDC, determinando que a sentença fará coisa julgada erga omnes, inclusive quando houver procedência do pedido, excetuando-se no que se refere às ações de interesses individuais quando for julgado improcedente o pedido por insuficiência de provas, podendo qualquer legitimado estar habilitado a propor nova demanda com o mesmo fundamento, utilizando-se de outras provas.


4) Uma ação civil pública julgada improcedente (supondo-se outra fundamentação que não a insuficiência de provas) atinge as demandas individuais? Como interpretar §1º do art. 103 do CDC? E no caso dos direitos individuais homogêneos, em que os titulares figuraram como litisconsortes (art. 103, §2º, CDC)?

R: O inciso I do artigo 103 do CDC estabelece uma exceção ao efeito “erga omnes” atribuído ao decreto de improcedência da ação civil pública, de modo que poderá ser intentada nova ação (individual) por qualquer um dos legitimados, caso a improcedência seja fundamentada na ausência de provas.

- Contudo, o parágrafo primeiro do dispositivo legal acima apontado confere a quem foi afetado pela lesão debatida na ação civil pública julgada improcedente, ainda que tenha sido enfrentado o mérito naquela ação. Isto, porque seu direito é essencialmente individual e divisível, sendo certo que esta é a diferença primordial em relação aos direitos difusos.

- O indivíduo pode ver discutido seu direito invocado, uma vez que o objeto de seu pedido pode ser diferente daquele constante da ação civil pública. Isto, porque a lesão discutida naquela (ACP) pode gerar desdobramentos (lesões outras) na esfera individual.

- Em sede de direitos individuais homogêneos, o efeito “erga omnes” da coisa julgada não se aplicará no caso de improcedência. Assim, os interessados que não tenham sido litisconsortes encerrada poderão ingressar com nova demanda através de ação individual. na ação coletiva.

5) Como interpretar o artigo 16 da LACP, quando se referir a ações coletivas de consumo? (Fazer análise do artigo à luz do sistema normativo constitucional e previsto no CDC de proteção ao consumidor, inclusive na concretização dos direitos básicos previstos no artigo 6º do CDC e do art. 103 do CDC) Qual a posição do STJ? A diferença entre “efeito da sentença” e “coisa julgada” interfere na interpretação daquele artigo? Se for admitida a tese de várias ações coletivas nos vários Estados (Justiças Estaduais) ou Regiões (Justiça Federal), com a tramitação de diferentes demandas, poderá ser reconhecida litispendência ou conexão e, determinada a reunião das ações?

R: O art. 16 da Lei de Ação Civil Pública possui a seguinte redação:
“Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada "erga omnes", nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”. 
Existem duas problemáticas relativas a esse dispositivo.
A primeira é a abrangência da expressão “nos limites da competência territorial do órgão prolator”.

A princípio, segundo interpretação literal do referido dispositivo, tanto a sentença de procedência, quanto a sentença de improcedência (desde que não seja por insuficiência de provas) abrangerá os limites territoriais do órgão prolator da decisão. Portanto, se determinada ação civil pública determinar a proibição de venda de determinado medicamento em São Paulo, a decisão somente será aplicável ao Estado em questão.
Contudo, com o surgimento de incoerências como, por exemplo, o mesmo medicamento que é proibido em uma localidade é permitido em outra, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido da eficácia nacional dos efeitos de decisão proferida, por tratar-se de direito indivisível:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POSTULANDO RESERVA DE VAGAS AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. CONCURSO DE ÂMBITO NACIONAL. DIREITO COLETIVO STRICTO SENSU. INAPLICABILIDADE DA LIMITAÇÃO TERRITORIAL PREVISTA NO ART. 16 DA LEI 7.374/85. DIREITO INDIVISÍVEL. EFEITOS ESTENDIDOS À INTEGRALIDADE DA COLETIVIDADE ATINGIDA. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA. COMPETÊNCIA DO JUIZ FEDERAL PREVENTO PARA CONHECER DA INTEGRALIDADE DA CAUSA. (STJ – Conflito de Competência n. 109.435/PR – Terceira Seção – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJ 15.12.2010).

Nesse sentido, é a lição dada pelo ilustre doutrinador Luiz Guilherme Marinoni:
“A lei não pode, sob pretexto de estar tratando de competência territorial, excluir da abrangência da coisa julgada material aqueles que por ela devem ser beneficiados. Ora, se o Direito, para fins de tutela jurisdicional, é considerado indivisível, a tutela jurisdicional, e, por consequência, a coisa julgada material, atingirá a todos os seus titulares, não tendo a lei como dispor de forma diferente apenas porque o juiz que proferiu a decisão está situado em uma determinada localidade.  É preciso ter em mente que a lei, ao prever a coisa julgada "erga omnes", partiu da premissa de que a tutela dos direitos difusos, dentro da atual sociedade, é imprescindível para a realização do direito à adequada tutela jurisdicional. Assim, a referida norma, ao tentar limitar a abrangência da coisa julgada material, na verdade está negando aos titulares de direitos que devem ser tutelados na forma difusa o direito constitucional à adequada tutela jurisdicional”.

A segunda problemática envolvendo a interpretação do art. 16 da Lei de Ação Civil Pública é a eficácia "erga omnes" no caso de improcedência, com análise de provas, porque interpretação literal do artigo em questão exclui dos efeitos da decisão a sentença de improcedência por falta de provas.
Contudo a doutrina diverge nesse tema. Posicionamento contrário é explicado pelo professor Eduardo Braga Bacal:
“Conforme já se analisou em momento anterior, tendo a LACP e o CDC acolhido o modelo da coisa julgada secundum eventum litis (coisa julgada segundo o resultado do processo), resulta que a sentença, transitada em julgado, proferida em ação civil pública, apenas poderá beneficiar o resultado das ações individuais e, portanto, jamais prejudicá-las em caso de improcedência do pedido formulado na ação coletiva.”
Com relação à litispendência e possibilidade de conexão é plenamente possível entre duas ações coletivas caso preenchidos os requisitos estabelecidos na lei processual para a junção dos processos.

Importante destacar que o art. 104 do CDC dispõe a inocorrência de litispendência entre ação individual e a coletiva, tendo em vista a distinção de autores das demandas.

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