quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

SEMINÁRIO 42 - MÓD. IV - ASPECTOS PROCESSUAIS DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 4 - Seminário 42
ASPECTOS PROCESSUAIS DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA

1) Situar a responsabilidade solidária dos fornecedores no contexto da proteção constitucional e dos direitos básicos do consumidor? Quais as consequências no direito material e no direito processual, em termos de interpretação das normas jurídicas? Deve ser ampliada a possibilidade de indenização do consumidor?

Conforme os artigos. 5º, XXXII e 170, IV e V, da Carta Republicana de 1988, a tutela do consumidor ganhou status de norma principiológica e de lei geral, além dos direitos básicos do consumidor inseridos pelo legislador na lei especial, art. 6º, e Incisos. Nesse sentido, as consequências do direito material estão ligadas ao acesso à justiça, assim como a facilitação de sua defesa em juízo, como exemplo a alteração do regime de competência, a previsão do foro do domicílio do autor, a inversão do ônus da prova, além, é claro, da criação dos juizados especiais.

Embora a CF/88 preconize nos artigos supracitados que os princípios norteadores da proteção e a ordem econômica sejam fundados na livre iniciativa, os direitos básicos do consumidor são o espelho do que diz a Lei Maior, ou seja, o que se busca é o equilíbrio como resultado. A interpretação das normas jurídicas é no sentido de que todas as atividades desenvolvidas no mercado de consumo, sejam protetivas, visando sempre a segurança e direto dos consumidores.

Também, há a possibilidade de ampliação da indenização do consumidor, na medida em que ele se vale da cadeia dos envolvidos na relação contratual, razão pela qual pode demandar contra todos eles, concomitantemente, surgindo a responsabilidade solidária justamente porque o consumidor não consegue identificar de imediato quem realmente foi o causador do dano, é o que aduz o art. 7º, Parágrafo Único, do CDC.

Destarte, é sempre bom lembrar que o legislador pretendeu dar eficácia à sentença judicial, sendo assim o CDC visa à reparação proporcional ao agravo, ou seja, a efetiva prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, conforme o art. 6º, VI, do Código Consumerista.

2). Analisar as seguintes situações:
a) Instituição Financeira (operações de financiamento ou de cartão de crédito) e a loja que vende produtos (automóveis, móveis ou serviços). Casos: (i) vício do produto e (ii) desistência ou rescisão do negócio. Afeta-se o contrato de financiamento? Se a opção do consumidor for pelo abatimento do preço ou por perdas e danos, há responsabilidade da instituição financeira?
b) Franquia. Franqueador x franqueado como fornecedores. Há solidariedade?
c) Fabricante de peças e o produto final. Quando o fabricante de peças assume a responsabilidade solidária?
d) Médico, Hospital e Plano de Saúde. Quando há solidariedade? Em qualquer hipótese? Se o consumidor escolhe o médico de sua confiança, sem interferência do hospital (que apenas cede o local) e do plano de saúde (que faz o pagamento do médico, porque credenciado), ainda assim estes dois respondem solidariamente?
e) Agência de Viagens e Operadora de Turismo. Quando há solidariedade?

a) VÍCIO DO PRODUTO: Nessa hipótese de aquisição de bem em loja cujo valor foi financiado por instituição financeira e depois se verificou a existência de vício de produto, a instituição financeira não responderá solidariamente se forem contratos distintos, ou seja, um é o contrato de financiamento e outro é o da compra do bem.
Responderá solidariamente, contudo, quando o consumidor é atraído pela divulgação dos agentes financeiros por meio de cartazes, propagandas e pelo próprio vendedor no momento da venda.  A instituição financeira acaba integrando o contrato de consumo, por força do artigo 30 do CDC. Na hipótese de compra com concessionária de veículos, a responsabilidade solidária se aperfeiçoa porque há uma coligação entre instituição financeira e comerciante, tanto que o gravame da alienação fiduciária fica substanciado no documento do veículo. Também haverá responsabilidade solidária se instituição financeira realizou a operação de financiamento com quem havia restrições no mercado de consumo.
DESISTÊNCIA: No caso de desistência da compra, se foi realizada por meio virtual, a desistência poderá ser realizada em até sete dias, sem qualquer justificativa, nos termos do art. 49 do CDC. Nessa hipótese, o contrato de financiamento será desfeito, voltando os contratantes ao estado antes da avença. O total ou parcelas eventualmente debitadas deverão ser devolvidas, corrigidas ao consumidor, inclusive as despesas com frete e postagem.
 A desistência não se operará, contudo, se a compra se der pessoalmente na loja em que foi dada a oportunidade de ver, apalpar, testar, tirar dúvidas quanto ao funcionamento de um produto. Resta ao consumidor, diante de um vício do produto optar por uma das condutas previstas no art. 18 do CDC, que impõe ao fornecedor a responsabilidade solidária a fim de corrigir/consertar o vício detectado dias após a aquisição do produto.
RESCISÃO DO NEGÓCIO: Nesta hipótese o consumidor é obrigado a quitar todo o financiamento para reaver o preço. Assim, o banco responde solidariamente, já que permitiu o fornecedor utilizar seus serviços e deve dar quitação à transação.
ABATIMENTO OU PERDA E DANOS: Se o consumidor optar por abatimento do preço ou perdas e danos subsiste ainda a responsabilidade solidária, conforme dispõe o artigo 18 do CDC.
b) Franquia. Franqueador x franqueado como fornecedores. Há solidariedade?
Sim, há solidariedade entre o franqueado e o franqueador. Partindo do princípio da vulnerabilidade, para o consumidor o responsável é a marca e não a pessoa jurídica por detrás dela. Numa demanda, portanto, envolvendo franqueado e franqueador, ambos figurarão solidariamente no polo passivo, por força do art. 7º, parágrafo único e dos §§1º e 2º do art. 25, do CDC.
Com a decisão, caberá ação de regresso, caso queira, da parte condenada a ressarcir/indenizar o consumidor.
c) Fabricante de peças e o produto final. Quando o fabricante de peças assume a responsabilidade solidária?
Numa demanda consumerista envolvendo peças incorporadas no produto final, figurão no polo passivo, em solidariedade, tanto o fornecedor de peças como o fornecedor do produto final.
Por força dos artigos 7º, parágrafo único e do 2º do art. 25 do CDC são responsáveis solidários tanto quem fabricou, construiu ou importou peças para incorporação como quem efetuou a incorporação delas ao produto final.
d) Médico, Hospital e Plano de Saúde. Quando há solidariedade? Em qualquer hipótese? Se o consumidor escolhe o médico de sua confiança, sem interferência do hospital (que apenas cede o local) e do plano de saúde (que faz o pagamento do médico, porque credenciado), ainda assim estes dois respondem solidariamente?
Médico, Hospital e Plano de Saúde são fornecedores de serviços por definição do §2º do art. 3º do CDC.
A responsabilidade solidária existirá entre médico, hospital e plano de saúde quando houver vínculo contratual, empregatício, de confiança ou de credenciamento entre eles.
Se o médico foi escolhido pelo consumidor dentre os credenciados no plano de saúde para realização de procedimento em determinado hospital, persiste a responsabilidade solidária entre o plano de saúde, o hospital e o médico.
Se o médico foi escolhido pelo consumidor e o hospital cedeu o local para realização de procedimento, não haverá responsabilidade solidária, somente subjetiva, em relação ao médico e objetiva, em relação ao hospital. Há entendimento de que a responsabilidade é solidária decorrente da escolha, pois o hospital autorizou que o médico utilizasse seu espaço para procedimento.
 e) Agência de Viagens e Operadora de Turismo. Quando há solidariedade?
Ao realizarem a venda dos chamados "pacotes turísticos" de uma operadora de turismo, as agências de viagens assumem uma clara posição de fornecedores de serviços, respondendo solidariamente pela falha ou defeito do serviço, em qualquer parte do programa turístico.
Elas possuem o dever de ressarcir eventuais danos ocasionados, ainda que decorram da conduta de outro fornecedor que faça parte da cadeia de prestação de serviços envolvida no "pacote turístico", em razão do princípio da solidariedade que permeia o fornecimento de serviços no mercado de consumo. A análise da solidariedade, nestes casos, deve ser caso a caso.
3) Como deve ser a interpretação do artigo 7º, parágrafo único do CDC? A responsabilidade solidária prevista no CDC exclui a possibilidade de condenações diferentes, conforme a participação do fornecedor na ofensa? Por exemplo, é possível impor-se uma condenação na indenização por danos morais diferente entre os fornecedores, um valor maior para a fabricante da peça e um valor menor para a montadora do produto (ver art. 25, do CDC), limitando-se a solidariedade ao valor desta última?

Interpretação do artigo 7º, parágrafo único do CDC

Deve ser interpretado “ipsis litteris”, ou seja, pelas mesmas letras. Trata o parágrafo único do artigo 7º do CDC da responsabilidade solidária, onde todos os autores respondem pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

A responsabilidade solidária prevista no CDC exclui a possibilidade de condenações diferentes, conforme a participação do fornecedor na ofensa?

Depende. Em regra, a condenação deverá ser solidária entre os fornecedores, preservando assim o consumidor que poderá exigir de qualquer um deles o pagamento, porém se existirem mais de um ato ilícito é possível que hajam condenações diferentes, de acordo com a extensão do dano causado. A análise do caso concreto e da participação dos fornecedores envolvidos, poderá sim permitir ao juiz que condene os fornecedores envolvidos de acordo com o dano causado, principalmente o Dano Moral, onde acreditamos ser possível as condenações diferentes.

Por exemplo, é possível impor-se uma condenação na indenização por danos morais diferente entre os fornecedores, um valor maior para a fabricante da peça e um valor menor para a montadora do produto (ver art. 25, do CDC), limitando-se a solidariedade ao valor desta última?

Apesar de entendermos que cabem condenações diferentes por Dano Moral, como dissemos dependendo da extensão do Dano, no exemplo acima a ofensa nos parece única, cabendo neste caso a condenação solidária, ou seja, ambos devem ser condenados na mesma medida, de acordo com o artigo 25 do CDC todos responderão pelos Danos causados, solidariamente.

Os fornecedores envolvidos, autores da conduta que se sentirem lesados, poderão em Ação de Regresso discutir a parte que cabe a cada um, referente ao Dano Causado e aquele que efetuar o pagamento ao autor, poderá buscar dos demais a parte que cabe a cada um.

4) Como deve se operar o direito de regresso entre os devedores solidários? O devedor solidário que pagou todo o débito terá direito a ressarcir-se por montante e proporção?

Primeiramente é importante frisar que a responsabilidade civil nas relações de consumo é objetiva, ou seja, prescinde de comprovação de culpa ou dolo, e solidária em decorrência da lei, nos termos do art. 7º, parágrafo único, da lei 8078/90, entre todos os integrantes da cadeia de consumo (cabendo apenas ressaltar que há exceção do comerciante, que possui responsabilidade subsidiaria nos termos do art. 13 do CDC).

Partindo-se dessa premissa, é possível estabelecer que o direito perante o consumidor deve ser satisfeito por um, alguns ou todos os devedores solidários, e contra ele não cabe discussão acerca da subjetividade da responsabilidade civil (não se discute a culpa).

Após a satisfação do crédito do consumidor, os fornecedores condenados solidariamente podem discutir regressão internamente, a fim de apurar de quem foi o culpa no ato ilícito ensejador de reparação civil. Essa ação regressiva poderá ser proposta autonomamente ou poderá prosseguir nos próprios autos, nos termos do art. 88 do CDC. Vale observar que referido artigo dispõe em sua literalidade que a ação regressiva nos mesmos autos é uma faculdade atribuída apenas ao comerciante que, caso condenado em sua responsabilidade subsidiária, poderá regredir contra os demais fornecedores, mas a jurisprudência e a doutrina têm entendido haver esta possibilidade para todos os integrantes da cadeia de consumo, em conformidade com o princípio constitucional da celeridade processual.

No que concerne ao quantum, cada fornecedor será responsabilizado na ação de regresso, analisando-se a culpa de cada um deles, na medida de sua colaboração no ato ilícito, sendo plenamente possível a condenação de apenas um, alguns ou todos (igualmente ou na proporção de sua contribuição e grau de culpa da conduta praticada – nos últimos 2 casos).



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