quinta-feira, 19 de março de 2015

SEMINÁRIO 23 - MÓD. III - DEVER DE INFORMAÇÃO E REDAÇÃO CLARA NOS CONTRATOS

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” - Especialização em Direito do Consumidor
Módulo 3 - Seminário 23, de 16/10/2014
DEVER DE INFORMAÇÃO E REDAÇÃO CLARA NOS CONTRATOS


QUESTÕES:
I – HAMILTON é advogado. Em janeiro de 1995, ele contratou um seguro da BaySaúde Ltda. para toda sua família, inclusive seus pais idosos. No contrato havia a informação do não atendimento de doenças decorrentes: a) da proliferação de cédulas mereistemáticas; b) do acúmulo de líquidos ou gases em cavidade natural ou acidental; c) de necrose consequente a hipóxia; de dilatação parietal de artéria, de veia ou do coração; e) de cesso inflamatório, ou outro que tenha acometido tecido conjuntival intersticial. Um ano após, o pai de HAMILTON, senhor Ronaldo, descobriu que tinha câncer. O seguro não cobriu as despesas hospitalares, alegando a existência de cláusula restritiva (proliferação de células merisméticas). Só então se compreendeu o significado das doenças. Dois anos depois a mãe de HAMILTON, senhora MARIA sofreu um infarto e as despesas não foram cobertas em razão da cláusula referente à necrose consequente a hipóxia.
a) Independente das disposições constitucionais e infraconstitucionais a respeito do assunto, poderia a seguradora negar o atendimento com base na informação contida no contrato?

R: Não poderia negar, porque dentre outros direitos do consumidor, há o previsto no art. 6º, III, do CDC, onde as informações na aquisição de produtos ou contratação de serviços devem ser pormenorizadas, ou seja, colocadas de forma precisa, adequada, clara, objetiva e de fácil compreensão, especificando a correta quantidade, qualidade, características, preço e os riscos que apresentem, evitando-se a utilização de termos técnicos, salvo quando os interessados são grupos específicos de consumidores com expertise do ponto de vista contratual, assim como do produto ou serviço a ser adquirido.

A negativa da seguradora também não poderia prosperar tendo em vista que foi violado o princípio da transparência, haja vista o desrespeito ao Art. 46, do CDC, segundo o qual não obriga à vinculação do consumidor ao contrato que não lhe foram fornecidas prévia e adequadamente as informações acerca do seu conteúdo, ou forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. Além disso, o Art. 47, do CDC, aponta que o magistrado, de acordo com o caso, interpretará a cláusula de maneira mais favorável ao consumidor.

b) Poderia negar atendimento às despesas da mãe de HAMILTON, argumentando que o segurado recebeu posteriormente todas as informações?

R: Não, pois a informação deve ser prestada pelo fornecedor ao consumidor de forma prévia, ou seja, em momento anterior à contratação do plano de saúde. Ademais, a informação deve ser prestada de forma clara, transparente e compreensível, tendo em vista que se assim não for, torna a cláusula restritiva nula, de forma a não produzir qualquer efeito no contrato. Já se a cláusula restritiva gerar interpretação ambígua, essa será interpretada de forma mais favorável ao consumidor, nos termos do art. 47, do Código de Defesa do Consumidor.

c) Em que medida se aplicam ao caso às hipóteses dos artigos 6º, inciso III, 46 e § 3º do art. 54?

R: Impossível que se exija desse consumidor conhecimentos técnicos da área médica dispostos exageradamente em cláusulas contratuais as quais deveriam ser redigidas de forma clara, numa linguagem acessível ao senso comum. Como o consumidor poderia imaginar que células meristemáticas se tratavam de câncer se essa informação não lhe foi prestada de forma clara?

Nesse caso, então, em respeito ao princípio da vulnerabilidade, da hipossuficiência técnica, da transparência e do dever de informação, incide a hipótese do art. 6º, III e o art. 46, do CDC, desobrigando o consumidor a respeitar o contrato ante a dificuldade colocada pelo fornecedor para o perfeito entendimento do sentido e alcance de cada cláusula. As cláusulas que, então, se enquadrarem na falta de informação clara, transparente deverão ser interpretadas de forma favorável ao consumidor.

Em se tratando do §3° do art. 54 no ponto que diz sobre a utilização de caracteres ostensivos e corpo 12 de nada adiantará o contrato ser assim redigido se contiver expressões incompreensíveis ao senso comum do consumidor. Os termos contratuais deveriam seguir com explicações dos termos técnicos facilitando o entendimento do consumidor acerca do alcance de cada cláusula pactuada.

d) Qual a consequência do não atendimento ao inciso III do artigo 6º, ao artigo 46 e ao §3º do artigo 54, todos dispositivos do CDC?

R: Os contratos de consumo devem ser elaborados sempre de forma clara, precisa e de fácil compreensão, sendo vedada a utilização de termos técnicos não compreensíveis pelo público leigo. O direito da informação é basilar da relação de consumo e deve estar presente nos contratos paritários e de adesão.

O magistrado deve buscar, se possível no caso, a interpretação da cláusula de maneira mais favorável ao consumidor, nos termos do artigo. 47 do CDC. Dependendo do conteúdo da cláusula e do vício apresentado como, por exemplo, termos demasiadamente técnicos, há possibilidade de declará-la nula isoladamente e, portanto, inaplicável. Não havendo possibilidade de anulá-la individualmente, por ser essencial à existência da relação, deve ocorrer a resolução do contrato.

e) O fato de ele ter formação superior afasta a vulnerabilidade? E há influência na avaliação da compreensão do significado do contrato? Existe a figura do “homem médio” para se considerar a informação adequada?

R: O grau de instrução não afasta a vulnerabilidade do consumidor, pois esta decorre da deficiência informacional. Sem dúvida, a formação educacional do consumidor pode influenciar na avaliação da compreensão do significado do contrato. E é por isso que o uso de termos/expressões estritamente técnicos e específicos devem ser traduzidos para que sua compreensão seja fácil e imediata. 

A redação do contrato deve ser objetiva a ponto de permitir que todo contratante seja capaz de entender os seus termos, condições e abrangências. 

Não é possível adotar a figura do "homem médio" em questões atinentes ao CDC, de modo que a "informação adequada" deve ser assim considerada se compreendida plenamente por todo e qualquer consumidor, independentemente da formação educacional, nível sócio-cultural e econômico. 

II – Qual o alcance do art. 47 do CDC? Dê um exemplo de aplicação do aludido artigo, consultando-se os julgados enviados para estudo.

R: Assim dispõe o art. 47: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.” Vê-se que o objetivo do CDC é a proteção do consumidor em todas as fases da relação de consumo, garantindo a sua posição de vulnerabilidade perante o fornecedor. Assim, nos contratos de consumo não será diferente, a lei veda a imposição ao consumidor de cláusulas consideradas abusivas, que o coloquem em situação de desvantagem. Daí a importância do art. 47, que dará uma segurança maior ao consumidor quando este se encontrar em posição de vulnerabilidade.

Como exemplo podemos citar o REsp nº 1.133.338 -SP, de relatoria da Ministro PAULO DE TARSO SANSEVRINO, onde se interpretou nos moldes do art. 47 – forma mais benéfica ao consumidor – cláusula contratual de seguro de saúde. A seguradora ficou obrigada a oferecer a cobertura do tratamento às lesões advindas da má-formação congênita dos filhos dos segurados, que nasceram na vigência do contrato. Entendeu-se que, era imprescindível interpretar as cláusulas da maneira mais favorável ao consumidor, principalmente por se tratar de contrato de adesão. Além do mais, situação era de emergência e tratava de direito essencial – à vida. Como bem posto no julgado: “Note-se que há no caso em comento uma relação de consumo instrumentalizada por meio deum contrato de adesão, devendo as cláusulas contratuais, redigidas pela própria recorrida, ser interpretadas da forma mais favorável às recorrentes, que figuram com consumidoras aderentes, nos termos do que dispõe o art. 47do Código de Defesa do Consumidor.”. 

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