ESCOLA
PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso
de Pós-Graduação “Lato Sensu” - Especialização em Direito do Consumidor
Módulo 3 -
Seminário 23, de 16/10/2014
DEVER DE
INFORMAÇÃO E REDAÇÃO CLARA NOS CONTRATOS
QUESTÕES:
I
– HAMILTON é advogado. Em janeiro de 1995, ele contratou um seguro da BaySaúde
Ltda. para toda sua família, inclusive seus pais idosos. No contrato havia a
informação do não atendimento de doenças decorrentes: a) da proliferação de
cédulas mereistemáticas; b) do acúmulo de líquidos ou gases em cavidade natural
ou acidental; c) de necrose consequente a hipóxia; de dilatação parietal de
artéria, de veia ou do coração; e) de cesso inflamatório, ou outro que tenha
acometido tecido conjuntival intersticial. Um ano após, o pai de HAMILTON,
senhor Ronaldo, descobriu que tinha câncer. O seguro não cobriu as despesas
hospitalares, alegando a existência de cláusula restritiva (proliferação de
células merisméticas). Só então se compreendeu o significado das doenças. Dois
anos depois a mãe de HAMILTON, senhora MARIA sofreu um infarto e as despesas
não foram cobertas em razão da cláusula referente à necrose consequente a
hipóxia.
a) Independente das
disposições constitucionais e infraconstitucionais a respeito do assunto,
poderia a seguradora negar o atendimento com base na informação contida no
contrato?
R: Não poderia negar,
porque dentre outros direitos do consumidor, há o previsto no art. 6º, III, do
CDC, onde as informações na aquisição de produtos ou contratação de serviços
devem ser pormenorizadas, ou seja, colocadas de forma precisa, adequada, clara,
objetiva e de fácil compreensão, especificando a correta quantidade, qualidade,
características, preço e os riscos que apresentem, evitando-se a utilização de
termos técnicos, salvo quando os interessados são grupos específicos de
consumidores com expertise do ponto de vista contratual, assim como do produto
ou serviço a ser adquirido.
A negativa da seguradora
também não poderia prosperar tendo em vista que foi
violado o princípio da transparência, haja vista o desrespeito ao Art. 46, do
CDC, segundo o qual não obriga à vinculação do consumidor ao contrato que não
lhe foram fornecidas prévia e adequadamente as informações acerca do seu
conteúdo, ou forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido
e alcance. Além disso, o Art. 47, do CDC, aponta que o magistrado, de acordo
com o caso, interpretará a cláusula de maneira mais favorável ao consumidor.
b) Poderia negar atendimento às despesas da
mãe de HAMILTON, argumentando que o segurado recebeu posteriormente todas as
informações?
R: Não, pois a informação deve ser prestada pelo
fornecedor ao consumidor de forma prévia, ou seja, em momento anterior à
contratação do plano de saúde. Ademais, a informação deve ser prestada de forma
clara, transparente e compreensível, tendo em vista que se assim não for, torna
a cláusula restritiva nula, de forma a não produzir qualquer efeito no
contrato. Já se a cláusula restritiva gerar interpretação ambígua, essa será
interpretada de forma mais favorável ao consumidor, nos termos do art. 47, do
Código de Defesa do Consumidor.
c) Em que medida se aplicam ao caso às
hipóteses dos artigos 6º, inciso III, 46 e § 3º do art. 54?
R: Impossível que se exija desse
consumidor conhecimentos técnicos da área médica dispostos exageradamente em
cláusulas contratuais as quais deveriam ser redigidas de forma clara, numa
linguagem acessível ao senso comum. Como o consumidor poderia imaginar que
células meristemáticas se tratavam de câncer se essa informação não lhe foi
prestada de forma clara?
Nesse caso, então, em respeito ao
princípio da vulnerabilidade, da hipossuficiência técnica, da transparência e
do dever de informação, incide a hipótese do art. 6º, III e o art. 46, do CDC,
desobrigando o consumidor a respeitar o contrato ante a dificuldade colocada
pelo fornecedor para o perfeito entendimento do sentido e alcance de cada
cláusula. As cláusulas que, então, se enquadrarem na falta de informação clara,
transparente deverão ser interpretadas de forma favorável ao consumidor.
Em se tratando do §3° do art. 54
no ponto que diz sobre a utilização de caracteres ostensivos e corpo 12 de nada
adiantará o contrato ser assim redigido se contiver expressões incompreensíveis
ao senso comum do consumidor. Os termos contratuais deveriam seguir com
explicações dos termos técnicos facilitando o entendimento do consumidor acerca
do alcance de cada cláusula pactuada.
d)
Qual a consequência do não atendimento ao inciso III do artigo 6º, ao artigo 46
e ao §3º do artigo 54, todos dispositivos do CDC?
R: Os contratos de consumo devem
ser elaborados sempre de forma clara, precisa e de fácil compreensão, sendo
vedada a utilização de termos técnicos não compreensíveis pelo público leigo. O
direito da informação é basilar da relação de consumo e deve estar presente nos
contratos paritários e de adesão.
O magistrado deve buscar, se
possível no caso, a interpretação da cláusula de maneira mais favorável ao
consumidor, nos termos do artigo. 47 do CDC. Dependendo do conteúdo da cláusula
e do vício apresentado como, por exemplo, termos demasiadamente técnicos, há
possibilidade de declará-la nula isoladamente e, portanto, inaplicável. Não
havendo possibilidade de anulá-la individualmente, por ser essencial à
existência da relação, deve ocorrer a resolução do contrato.
e) O
fato de ele ter formação superior afasta a vulnerabilidade? E há influência na
avaliação da compreensão do significado do contrato? Existe a figura do “homem
médio” para se considerar a informação adequada?
R: O grau
de instrução não afasta a vulnerabilidade do consumidor, pois esta decorre da
deficiência informacional. Sem dúvida, a formação educacional do consumidor
pode influenciar na avaliação da compreensão do significado do contrato. E é
por isso que o uso de termos/expressões estritamente técnicos e específicos
devem ser traduzidos para que sua compreensão seja fácil e imediata.
A redação do contrato deve ser
objetiva a ponto de permitir que todo contratante seja capaz de entender os
seus termos, condições e abrangências.
Não é possível adotar a figura do
"homem médio" em questões atinentes ao CDC, de modo que a
"informação adequada" deve ser assim considerada se compreendida
plenamente por todo e qualquer consumidor, independentemente da formação
educacional, nível sócio-cultural e econômico.
II – Qual o alcance do art. 47 do CDC? Dê um exemplo de aplicação do
aludido artigo, consultando-se os julgados enviados para estudo.
R: Assim dispõe
o art. 47: “As cláusulas contratuais
serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.” Vê-se que o
objetivo do CDC é a proteção do consumidor em todas as fases da relação de
consumo, garantindo a sua posição de vulnerabilidade perante o fornecedor.
Assim, nos contratos de consumo não será diferente, a lei veda a imposição ao
consumidor de cláusulas consideradas abusivas, que o coloquem em situação de
desvantagem. Daí a importância do art. 47, que dará uma segurança maior ao
consumidor quando este se encontrar em posição de vulnerabilidade.
Como exemplo
podemos citar o REsp nº 1.133.338 -SP, de relatoria da Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVRINO, onde se interpretou nos moldes do art. 47 – forma mais benéfica ao
consumidor – cláusula contratual de seguro de saúde. A seguradora ficou
obrigada a oferecer a cobertura do tratamento às lesões advindas da má-formação
congênita dos filhos dos segurados, que nasceram na vigência do contrato.
Entendeu-se que, era imprescindível interpretar as cláusulas da maneira mais
favorável ao consumidor, principalmente por se tratar de contrato de adesão.
Além do mais, situação era de emergência e tratava de direito essencial – à
vida. Como bem posto no julgado: “Note-se que há no caso em comento uma relação
de consumo instrumentalizada por meio deum contrato de adesão, devendo as
cláusulas contratuais, redigidas pela própria recorrida, ser interpretadas da
forma mais favorável às recorrentes, que figuram com consumidoras aderentes,
nos termos do que dispõe o art. 47do Código de Defesa do Consumidor.”.
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