sexta-feira, 27 de março de 2015

SEMINÁRIO 31 - MÓD. III - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS NO CDC

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” - Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 3 - Seminário 31, de 05/02/2015
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS NO CDC

1) Merece distinção a figura do usuário do serviço em relação à do consumidor? Em que medida pode haver aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor à prestação de serviço público? Qual a posição encontrada pelas normas das agências reguladoras?
R: Para parte da doutrina, a figura do consumidor (usuário final de bens ou serviços derivados de relação privada), bem como a figura dos usuários (destinatários de bens ou produtos decorrentes de relação pública-privada, por exemplo, usuário de saúde pública, escola pública, rodovias estaduais pedagiadas), devem ser tratadas da mesma forma e merecem a mesma proteção consumerista.
Contudo, para parte majoritária da doutrina e jurisprudência o usuário de serviço público só será equiparado à figura do consumidor das relações privadas em decorrência de prestação de bens ou serviços de titularidade pública, mas prestadas por particulares e remuneradas mediante tarifas (ex. Água, luz, concessionárias de rodovias).
Se o serviço for de titularidade pública, prestado por ente público, seja da administração direta ou indireta, e remunerado indiretamente mediante impostos, não haverá configuração de relação de consumo, portanto inaplicável as regras de proteção e defesa do consumidor. Com isso, o CDC não será aplicável a essas relações públicas prestadas diretamente pelo Estado.

As normas das agências reguladoras devem encontrar posição neutra, não devendo diferenciar, tanto para privilegiar, quanto para prejudicar, nas suas regulamentações a prestações ou fornecimento de bens ou serviços pelos entes públicos ou privados. 
2) É correto falar em direitos e OBRIGAÇÕES do usuário de serviços públicos? Por quê? Qual a natureza jurídica da concessão de serviço público e como se estabelece a garantia do direito do usuário? Como pode ver reparado eventual direito lesado?
R: Considerando que o serviço público é considerado prestação de serviço, nos moldes do que estabelece o art. 3º, § 2º, do CDC, tem-se como inerente a este serviço a existência de direitos e obrigações de seus usuários. Além do direito ao serviço prestado de forma segura, adequada e eficiente, o usuário tem a obrigação de prestar as informações corretas a permitir que o serviço seja prestado de forma a atender suas necessidades, bem como fica incumbido de utilizar-se do serviço da forma devida, por exemplo, atentando-se aos requisitos e condições exigidos para uma modalidade específica.
Quanto à natureza jurídica da concessão de serviço público, se verifica a existência de duas vertentes: (a) relação entre usuário e a concessionária é de natureza contratual, privada; (b) entre as partes há uma relação de natureza jurídico-administrativa.
A posição intermediária prevalecente estabelece que a relação entre usuário e a concessionária é fundamentalmente regulamentária e minimamente contratual, tendo em vista o regime jurídico-administrativo que regula o serviço público e que vincula as partes. Contudo, esta circunstância não implica no reconhecimento imediato que entre a concessionária e o usuário de seus serviços existe uma relação jurídico-administrativa. Parte-se do pressuposto que, para existir uma relação desse tipo, deverá ocorrer uma intervenção direta da Administração.
Como já relatado, o usuário tem o direito à prestação adequada dos serviços, sendo certo que esta proteção tem origem nos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal. Associado a este ponto deve ser considerada a responsabilidade objetiva pela prestação dos serviços públicos, a qual independe da culpa, o que confere ao usuário final dos serviços o direito de reparação, a despeito da ausência de culpa bastando que o serviço tenha sido prestado de forma insuficiente ou ineficaz. Neste particular, o usuário pode se valer dos mecanismos processuais disponíveis para satisfazer a pretensão indenizatória.
3) No âmbito da responsabilidade objetiva dos prestadores prevista no CDC, tendo em vista a natureza de direito público e a forma delegada de prestação, poderia o Estado também responder em caso de dano ao usuário do serviço?
R: Sim! O Estado também poderá responder em caso de dano ao usuário de serviço público prestado na forma delegada.
Encontramos amparo no art. 3º do CDC ao incluir no rol de fornecedores a pessoa jurídica pública e ao definir “serviço” no §2º do mesmo artigo, dispondo que é qualquer atividade fornecida ao mercado de consumo, excetuando apenas os serviços sem remuneração ou custo e os decorrentes das relações de caráter trabalhista.
De acordo com o art. 22 do CDC, o Poder Público será enquadrado como fornecedor de serviço toda vez que, por si ou por seus concessionários, atuar no mercado de consumo prestando serviço mediante a cobrança de preço.
Assim, por exemplo, o Estado, quando fornecedor de serviço público de tratamento de água e esgoto, mediante pagamento de preço pelo consumidor, é fornecedor de serviços nos termos do CDC.
Do mesmo modo, os concessionários de serviços públicos de telefonia, que atuam no mercado de consumo através de contratos administrativos de concessão de serviços públicos, são fornecedores de serviços nas relações com os usuários e, consequentemente, devem observar os preceitos estabelecidos pelo CDC.
Como foi o Estado quem contratou as concessionárias poderá sim ser responsabilizado solidariamente porque contratou mal, nos termos do art. 20, do CDC, se se tratar de vício de serviço e, nos termos do art. 14, do CDC, se se tratar de defeito no serviço público. O Estado representa o consumidor nas contratações e, se não fez eficientemente, deve responder pelos atos de gestão juntamente com o prestador de serviço público por ela contratado.
A dificuldade será processual, uma vez que a competência para processar e julgar uma concessionária de serviços públicos seria do Juizado Especial Cível ou Vara Cível ao passo que as demandas contra o Estado são de competência da Vara da Fazenda Pública. Nessa hipótese, haverá separação do processo. Na prática, essa situação processual ainda não ocorreu no Judiciário, pois as demandas só são feitas trazendo no polo passivo a prestadora de serviço público.
4) Quais são os serviços ditos essenciais? No que consiste o princípio da continuidade do serviço público, onde está consagrado e como vem sendo interpretado? É considerada legal a suspensão do fornecimento de energia elétrica na hipótese de inadimplemento do usuário?
R: Na inteligência do art. 10, da Lei nº 7.783/89 (Lei de Greve) é que são elencados os serviços essenciais, quais sejam:
Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; 
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI compensação bancária.

Muito embora a Educação não esteja no rol taxativo da mencionada Lei, o STF firmou entendimento de que a educação também não poderá ter o seu serviço descontinuado pela greve, sendo considerada atividade essencial de primeira grandeza.
O princípio da continuidade do serviço público está consagrado no art. 1.º, III, da CF/88, pois trata-se de o Estado fornecer um bem-estar social (dignidade da pessoa humana), ainda que parcialmente, por importar perda de qualidade de vida e que a sociedade não pode prescindir. Também, no art. 22, do CDC: “Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.” Ou seja, esses serviços devem ser prestados com regularidade na frequência e no horário, além de ser seguro, adequado e eficiente, não podendo ser interrompido.

Apesar de no art. 22, parágrafo único, do CDC estabelecer que o serviço público essencial não possa ser interrompido, atualmente o STF firmou entendimento jurisprudencial no sentido de autorizar a interrupção do fornecimento de energia elétrica (REsp 617588/SP), desde que considerado inadimplente, o consumidor seja previamente notificado pela concessionária que lhe dará um prazo de 15 (quinze) dias para que regularize o débito (Art. 6º, §3º, II, da Lei 8.987/95 – Lei de Concessões).

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