ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato
Sensu” - Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 3 - Seminário 31, de 05/02/2015
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS NO CDC
1) Merece distinção a figura do usuário do serviço em relação à do
consumidor? Em que medida pode haver aplicação das normas do Código de Defesa
do Consumidor à prestação de serviço público? Qual a posição encontrada pelas
normas das agências reguladoras?
R:
Para parte da doutrina, a figura do consumidor (usuário final de bens ou
serviços derivados de relação privada), bem como a figura dos usuários
(destinatários de bens ou produtos decorrentes de relação pública-privada, por
exemplo, usuário de saúde pública, escola pública, rodovias estaduais
pedagiadas), devem ser tratadas da mesma forma e merecem a mesma proteção consumerista.
Contudo,
para parte majoritária da doutrina e jurisprudência o usuário de serviço
público só será equiparado à figura do consumidor das relações privadas em
decorrência de prestação de bens ou serviços de titularidade pública, mas
prestadas por particulares e remuneradas mediante tarifas (ex. Água, luz,
concessionárias de rodovias).
Se
o serviço for de titularidade pública, prestado por ente público, seja da
administração direta ou indireta, e remunerado indiretamente mediante impostos,
não haverá configuração de relação de consumo, portanto inaplicável as regras
de proteção e defesa do consumidor. Com isso, o CDC não será aplicável a essas
relações públicas prestadas diretamente pelo Estado.
As
normas das agências reguladoras devem encontrar posição neutra, não devendo
diferenciar, tanto para privilegiar, quanto para prejudicar, nas suas
regulamentações a prestações ou fornecimento de bens ou serviços pelos entes
públicos ou privados.
2) É correto falar em direitos e OBRIGAÇÕES do usuário de serviços
públicos? Por quê? Qual a natureza jurídica da concessão de serviço público e
como se estabelece a garantia do direito do usuário? Como pode ver reparado
eventual direito lesado?
R:
Considerando que o serviço público é considerado prestação de serviço, nos
moldes do que estabelece o art. 3º, § 2º, do CDC, tem-se como inerente a este
serviço a existência de direitos e obrigações de seus usuários. Além do direito
ao serviço prestado de forma segura, adequada e eficiente, o usuário tem a
obrigação de prestar as informações corretas a permitir que o serviço seja
prestado de forma a atender suas necessidades, bem como fica incumbido de
utilizar-se do serviço da forma devida, por exemplo, atentando-se aos
requisitos e condições exigidos para uma modalidade específica.
Quanto
à natureza jurídica da concessão de serviço público, se verifica a existência
de duas vertentes: (a) relação entre usuário e a concessionária é de natureza
contratual, privada; (b) entre as partes há uma relação de natureza jurídico-administrativa.
A
posição intermediária prevalecente estabelece que a relação entre usuário e a
concessionária é fundamentalmente regulamentária e minimamente contratual,
tendo em vista o regime jurídico-administrativo que regula o serviço público e
que vincula as partes. Contudo, esta circunstância não implica no
reconhecimento imediato que entre a concessionária e o usuário de seus serviços
existe uma relação jurídico-administrativa. Parte-se do pressuposto que, para
existir uma relação desse tipo, deverá ocorrer uma intervenção direta da Administração.
Como
já relatado, o usuário tem o direito à prestação adequada dos serviços, sendo
certo que esta proteção tem origem nos direitos e garantias fundamentais da Constituição
Federal. Associado a este ponto deve ser considerada a responsabilidade
objetiva pela prestação dos serviços públicos, a qual independe da culpa, o que
confere ao usuário final dos serviços o direito de reparação, a despeito da
ausência de culpa bastando que o serviço tenha sido prestado de forma
insuficiente ou ineficaz. Neste particular, o usuário pode se valer dos
mecanismos processuais disponíveis para satisfazer a pretensão indenizatória.
3) No âmbito da responsabilidade objetiva dos prestadores prevista no
CDC, tendo em vista a natureza de direito público e a forma delegada de
prestação, poderia o Estado também responder em caso de dano ao usuário do
serviço?
R:
Sim! O Estado também poderá responder em caso de dano ao usuário de serviço
público prestado na forma delegada.
Encontramos
amparo no art. 3º do CDC ao incluir no rol de fornecedores a pessoa jurídica
pública e ao definir “serviço” no §2º do mesmo artigo, dispondo que é qualquer
atividade fornecida ao mercado de consumo, excetuando apenas os serviços sem
remuneração ou custo e os decorrentes das relações de caráter trabalhista.
De
acordo com o art. 22 do CDC, o Poder Público será enquadrado como fornecedor de
serviço toda vez que, por si ou por seus concessionários, atuar no mercado de
consumo prestando serviço mediante a cobrança de preço.
Assim,
por exemplo, o Estado, quando fornecedor de serviço público de tratamento de
água e esgoto, mediante pagamento de preço pelo consumidor, é fornecedor de
serviços nos termos do CDC.
Do
mesmo modo, os concessionários de serviços públicos de telefonia, que atuam no
mercado de consumo através de contratos administrativos de concessão de
serviços públicos, são fornecedores de serviços nas relações com os usuários e,
consequentemente, devem observar os preceitos estabelecidos pelo CDC.
Como
foi o Estado quem contratou as concessionárias poderá sim ser responsabilizado
solidariamente porque contratou mal, nos termos do art. 20, do CDC, se se
tratar de vício de serviço e, nos termos do art. 14, do CDC, se se tratar de
defeito no serviço público. O Estado representa o consumidor nas contratações
e, se não fez eficientemente, deve responder pelos atos de gestão juntamente
com o prestador de serviço público por ela contratado.
A
dificuldade será processual, uma vez que a competência para processar e julgar
uma concessionária de serviços públicos seria do Juizado Especial Cível ou Vara
Cível ao passo que as demandas contra o Estado são de competência da Vara da
Fazenda Pública. Nessa hipótese, haverá separação do processo. Na prática, essa
situação processual ainda não ocorreu no Judiciário, pois as demandas só são
feitas trazendo no polo passivo a prestadora de serviço público.
4) Quais são os serviços ditos essenciais? No que consiste o princípio
da continuidade do serviço público, onde está consagrado e como vem sendo
interpretado? É considerada legal a suspensão do fornecimento de energia
elétrica na hipótese de inadimplemento do usuário?
R:
Na inteligência do art. 10, da Lei nº 7.783/89 (Lei de Greve) é que são
elencados os serviços essenciais, quais sejam:
Art.
10. São considerados serviços ou atividades essenciais:
I -
tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia
elétrica, gás e combustíveis;
II -
assistência médica e hospitalar;
III -
distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV -
funerários;
V -
transporte coletivo;
VI -
captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII -
telecomunicações;
VIII -
guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais
nucleares;
IX -
processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X -
controle de tráfego aéreo;
XI
compensação bancária.
Muito
embora a Educação não esteja no rol taxativo da mencionada Lei, o STF firmou
entendimento de que a educação também não poderá ter o seu serviço descontinuado
pela greve, sendo considerada atividade essencial de primeira grandeza.
O
princípio da continuidade do serviço público está consagrado no art. 1.º, III,
da CF/88, pois trata-se de o Estado fornecer um bem-estar social (dignidade da pessoa
humana), ainda que parcialmente, por importar perda de qualidade de vida e que
a sociedade não pode prescindir. Também, no art. 22, do CDC: “Art. 22. Os
órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou
sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços
adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.” Ou seja,
esses serviços devem ser prestados com regularidade na frequência e no horário,
além de ser seguro, adequado e eficiente, não podendo ser interrompido.
Apesar
de no art. 22, parágrafo único, do CDC estabelecer que o serviço público
essencial não possa ser interrompido, atualmente o STF firmou entendimento
jurisprudencial no sentido de autorizar a interrupção do fornecimento de
energia elétrica (REsp 617588/SP), desde que considerado inadimplente, o
consumidor seja previamente notificado pela concessionária que lhe dará um
prazo de 15 (quinze) dias para que regularize o débito (Art. 6º, §3º, II, da
Lei 8.987/95 – Lei de Concessões).
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