ESCOLA
PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso
de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 3
- Seminário 32, de 12/02/2015
CONTRATOS
ELETRÔNICOS
1)
Num contrato eletrônico no qual o consumidor expressa sua vontade
por meio de um clique e o website está programado para responder positivamente,
pode se falar em encontro de vontades? A qualificação jurídica seria de
contrato (centrado na autonomia negocial) ou haveria um novo instituto
jurídico? A legislação atual é suficiente para regulação desse novo fenômeno
social (comércio eletrônico)?
R: O
comércio eletrônico é uma realidade da qual não se tem como retroceder. As
crianças já nascem no meio eletrônico e até negociam serviços, como o de jogos,
fazem também aquisição de produtos, utilizando-se de senha e usuário dos pais.
Trata-se
de um contrato eletrônico de adesão oriundo de uma relação de consumo
estabelecida entre uma empresa virtual e o consumidor. As cláusulas vêm
predispostas (impostas). Basta o consumidor aceitar com um clique no campo
destinado a aceitação da adesividade contratual eletrônica para que haja o
encontro de vontades.
Quando
o CDC foi editado, em 1990, o comércio eletrônico sequer existia no Brasil. Em
2013 foi publicado o Decreto 7962/13 regulamentando o CDC no que tange à
contratação no comércio eletrônico.
Embora
o Código, juntamente com a dita regulamentação, seja de notável alcance nas
áreas jurídica, administrativa, processual e penal mostra-se insuficiente para
impedir ou atacar situações abusivas ou enganosas no comércio eletrônico de
produtos e/ou serviços.
Por
conta disso já foram aprovadas no Senado projetos de lei que pretendem
atualizar o CDC. Um desses projetos, o Projeto de Lei do Senado nº 281 (PLS nº
281/12), dentre outros pontos, prevê que na contratação por meio eletrônico ou
similar, o fornecedor deve enviar ao consumidor a confirmação imediata da
aceitação da oferta, inclusive por meio eletrônico. Outro exemplo é a previsão
de proibição do envio de mensagens eletrônicas não solicitadas caso não haja
relação de consumo anterior com o fornecedor e o consumidor não tenha
manifestado consentimento prévio em recebê-la, ou, pelo contrário, tenha
manifestado ao fornecedor o interesse em não recebê-la.
2)
Um contrato eletrônico de consumo firmado por uma criança de dez
anos utilizando a senha do representante legal é valido? (justificar à luz do
CDC e, se for o caso do próprio CC de 2002).
R: Contrato
eletrônico é aquele onde duas ou mais pessoas utilizam a internet como meio
para manifestar suas vontades e concluir um contrato.
Os princípios balizadores de tais contratos são,
além daqueles aplicáveis aos contratos em geral, os princípios da equivalência
funcional dos contratos eletrônicos com os tradicionais, neutralidade e
perenidade das normas reguladoras do ambiente digital, conservação e aplicação
das normas jurídicas existentes aos contratos eletrônicos e boa-fé objetiva.
O contrato presume a existência de agente capaz, ou
seja, a pessoa que tem aptidão para realizar um negócio jurídico.
De outro modo, deve-se lembrar de que “eletrônico”
é o meio pelo qual as partes escolheram para efetivar o contrato, tendo em
vista que, em geral, a lei não exige forma específica, o contrato pode ser
realizado sob qualquer forma, desde que não contrarie a lei.
O quesito da validade está diretamente ligado à
segurança e estabilidade que se espera dos contratos no mundo jurídico. É a
possibilidade de se valer daquele documento como prova processual ou como
título representativo de uma obrigação.
Válido, portanto, é tudo aquilo que está de acordo
com o ordenamento jurídico vigente e que atende aos princípios gerais do
direito, à ética e à justiça sociais. Para avaliar tal validade, é necessário
observar os elementos de validade dos contratos eletrônicos, os quais podem ser
subjetivos, objetivos ou formais.
Os elementos subjetivos dizem respeito às
características pessoas dos contratantes, ou seja, a capacidade das partes e o
consentimento não viciado.
É válido o contrato realizado por pessoas capazes,
assim consideradas pelo Código Civil, como os maiores de dezoito anos, desde
que não estejam com as faculdades mentais comprometidas.
Assim, os atos praticados por um absolutamente
incapaz são passíveis de nulidade, enquanto que os praticados por um
relativamente incapaz estão sujeitos à anulabilidade, como se vê nos artigos
166, inciso I e 177, inciso I, ambos do Código Civil.
Tais normas têm por finalidade a proteção dos
incapazes e, portanto, na prática, são relativizados os atos cotidianos
praticados por estes, pois se presume a aceitação dos pais.
Porém, no que tange à contratação eletrônica, não
se pode considerar como corriqueira a aquisição de produtos por menores através
da Internet, tendo em vista apenas a
facilidade de acesso e navegação. Deve-se analisar no caso em concreto se o ato
praticado pelo incapaz era um ato em que se poderia presumir a aceitação dos
seus responsáveis legais.
Vale ressaltar que a relativização da incapacidade
para os atos corriqueiros é um caso excepcional que considera a realidade
fática da situação. Assim, estão juridicamente sujeitos à anulação ou
anulabilidade, desde que solicitada pelo representante legal.
O Código Civil traz a situação específica do menor
que realiza um contrato ocultando a sua idade ou fazendo-se passar por agente
capaz no art. 180, in verbis:
Art. 180. O menor, entre
dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a
sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no
ato de obrigar-se, declarou-se maior.
Depreende-se deste artigo que, ao menor
aplicar-se-á o princípio da boa-fé e a máxima de que ninguém pode se beneficiar
da sua própria torpeza, devendo seus representantes legais responder pelos
prejuízos causados.
Por conta disso é que os sites de compras pela Internet trazem formulários onde é
solicitado ao usuário o preenchimento de alguns dados pessoais, tais como data
de nascimento e, ainda advertem que é proibida a contratação com menores de
dezoito anos.
Concluímos neste caso, que apesar de ser necessário
observar os requisitos de validade de um contrato, devemos levar em
consideração o caso concreto e a forma como foi realizada a contratação, neste
exemplo, o contratante apesar de ser uma criança de 10 anos, tinha acesso não
só à internet como também à senha do
representante legal, devendo o mesmo responder pela aquisição do contratante,
mesmo sendo agente incapaz. Vale lembrar que já existem decisões neste sentido
em nossos tribunais.
3)
A) Nos
contratos bancários eletrônicos, como se aferir a adesão do consumidor ao
contrato – já que não há assinatura? B) De outra parte, como deveriam agir os
fornecedores para poderem impor as cláusulas contratuais, especialmente
limitativas do direito do consumidor (CDC, art. 54, §4°)? C) Como se
interpretar o artigo 46 do CDC no contrato eletrônico? D) Se houver fraude na
contratação de um empréstimo pela Internet, a responsabilidade será do banco
(fornecedor) ou do titular da conta (consumidor)? E) A alegação de que a senha
era de responsabilidade do consumidor é fundamento bastante para se identificar
a culpa do último e se excluir a responsabilidade do banco? F) Numa operação de
empréstimo eletrônico feito numa conta-conjunta, a responsabilidade é solidária
entre os consumidores correntistas ou apenas de quem realizou o empréstimo?
(analisar os acórdãos enviados, inclusive do TJSP).
R:
A) Nos contratos eletrônicos
a adesão do consumidor à prestação de serviços ou fornecimento de
produtos pode ser auferida mediante procedimentos de segurança como: a) usuário e senha - nessa modalidade o
consumidor fornece diversos dados pessoais, que garantem considerável
certeza de que é realmente ele quem está os fornecendo e, a
partir daí, cria-se um usuário e senha de uso pessoal e intransferível, de
responsabilidade do consumidor, para assegurar a pessoalidade almejada; b) ICP-Brasil - certificado brasileiro
de assinatura eletrônica, de uso pessoal e intransferível, sob a
responsabilidade do usuário, que consiste em autenticar documento com uma
assinatura eletrônica do usuário previamente cadastrado; c) biometria - método bem seguro de autenticação que consiste
na leitura bioindividual (leitura de digital ou da íris) que
garantem inequívoca certeza de que é o usuário que utilizou o
serviço ou autenticou o documento.
Os bancos se utilizam do método de login e senha, sendo o login os dados de agência e conta
do consumidor e a senha um número previamente cadastrado, para contratação de
serviços e para movimentação bancária. Contudo, mais recentemente algumas
instituições vêm utilizando-se da biometria, principalmente com a leitura
das digitais dos dedos ou da palma da mão.
B) As cláusulas
do contrato de consumo devem sempre, limitativas de direito ou não, constar nos
contratos de forma clara, precisa e que facilite a compreensão do
consumidor. Já as limitativas devem constar, além da forma já mencionada,
com destaque, ostensivamente e de forma clara. Não obstante, cabe ao consumidor
discutir o conteúdo das cláusulas que sejam abusivas, não sendo os contratos de
adesão válidos pela simples concordância do consumidor.
C) Os
contratos eletrônicos devem ser redigidos de modo a facilitar a compreensão de
seu sentido e alcance, assim como os contratos não eletrônicos. Contudo, com
relação à prévia disponibilização do conteúdo para ciência do
consumidor, o fornecedor que utiliza o meio eletrônico deve apresentar
os termos em tela anterior à contratação, inclusive devendo o
consumidor dar o seu aceite antes da possibilidade de realizar a efetiva
contratação.
D) Em
caso de fraude na contratação bancária pela internet por
terceiros, deve haver a inversão do ônus probatório para que o fornecedor
apresente as informações comprobatórias de que o consumidor, de alguma forma,
contribuiu ou facilitou para que o fraudador tivesse acesso à transação.
Do contrário, é de plena responsabilidade do fornecedor a garantia da
prestação de um serviço de qualidade e que ofereça segurança ao consumidor.
E) Não,
para que não haja responsabilização do consumidor deve haver demonstração de
que ele de algum modo contribuiu para que
terceiros tivessem acesso à sua senha. Pois, além da
senha, existem outros métodos ilícitos de acessar o banco on line, sendo de responsabilidade do
fornecedor desse tipo de serviço proporcionar a segurança adequada.
F) A solidariedade
nas obrigações não se presume. Ou decorrem de acordo entre as partes ou da lei.
Na contratação de empréstimo por um dos correntistas na conta conjunta não há previsão
legal acerca de solidariedade nesse tipo de relação. Se o contrato tiver previsão
expressa, de forma ostensiva, clara, objetiva pode haver esse tipo de
responsabilidade, mas apenas pela sistemática da conta conjunta não é possível
configurar a solidariedade passiva entre os consumidores.
4)
No “comércio eletrônico”, qual o papel do site que promove a
intermediação (exemplo: “mercado livre”)? E quando ele faz a gestão do
pagamento? Há responsabilidade solidária entre o referido site e o vendedor
(fornecedor) do serviço pela não entrega? E no caso de vício? (analisar a
partir dos acórdãos enviados).
R: O site de intermediação na internet
exerce o papel de fornecedor (art. 3º, Caput, CDC), sendo responsabilizado pela
divulgação de um produto ou serviço (art. 14, do CDC), não podendo se eximir de
culpa quando há algum dano que o consumidor venha a sofrer, pois a gratuidade
do serviço não desvirtua a relação de consumo (art. 3º, §2º, do CDC). Nesse
contexto, o termo “mediante remuneração” deve ser amplamente considerado também
nos ganhos indiretos, conforme o Resp. nº 1.308.830 – RS
(2011/0257434-5/Relatora Min. NANCY ANDRIGHI). O Site “Mercado Livre” também
atua como guardião da quantia paga pelo consumidor durante quatorze dias e age
como intermediador nessa relação, informando ao fornecedor que a outra parte já
efetuou o pagamento e, para isso, cobra taxas que variam de 2,99% a 9,99%,
através de seu parceiro o (Mercado Pago).
Sobre o Acórdão enviado
para análise houve responsabilidade solidária entre o vendedor e o Site PagSeguro (art. 7º, Parágrafo
único, CDC), pois houve vício por falta de informação clara e por inadequação
(art. 6º, III, do CDC). Não basta o prazo de 14 dias para que o consumidor
lance mão da ferramenta “disputa”, é necessário que ele tenha 14 dias para
informar sobre algum vício a partir da data prevista informada pela
vendedora, em que o bem deveria ser entregue, no caso, 45 dias. Não se pode
olvidar que o site vende confiança e segurança e são esses
valores que atraem o consumidor, pois permeiam qualquer relação de consumo.
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