sexta-feira, 27 de março de 2015

SEMINÁRIO 33 - MÓD. III - CONTRATOS DE TURISMO

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
Módulo 3 - Seminário 33, de 26/02/2015
CONTRATOS DE TURISMO

1)               Quais as principais obrigações da agência de turismo e dos hotéis de acordo com o CDC e a Lei nº 11.771/08?
R: As agências de turismo estão submetidas ao Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90), que regula as relações entre fornecedores e consumidores. Assim, ao realizarem a venda dos chamados "pacotes turísticos", as agências de turismo assumem uma clara posição de fornecedores de serviços, com todas as consequências jurídicas desse enquadramento, especialmente a de responder solidariamente pela falha ou defeito do serviço, em qualquer parte do programa turístico.
A solidariedade implica que todos os intermediários da cadeia de fornecimento de um produto ou serviço respondam por dano causado por apenas um deles, podendo o lesado escolher contra quem quer demandar. Se a empresa aérea não embarca o passageiro (em razão de overbooking) ou dá causa ao extravio de sua bagagem, se o hotel não honra a reserva ou se o espetáculo não acontece tal como previsto, tanto quem vendeu (intermediou) esses serviços ou organizou (operou) a excursão é responsável pela reparação dos danos causados ao turista (consumidor).
A relação entre as agências de turismo e os turistas/consumidores é uma típica relação de consumo, e, conforme as normas do CDC, elas possuem o dever de ressarcir eventuais danos ocasionados, ainda que decorram da conduta de outro fornecedor que faça parte da cadeia de prestação de serviços envolvida no "pacote turístico", em razão do princípio da solidariedade que permeia o fornecimento de serviços no mercado de consumo. Mesmo havendo um responsável pelo dano perfeitamente identificável, todos os integrantes da cadeia de fornecimento respondem solidariamente pela reparação dos prejuízos; apenas lhes fica assegurado o direito de regresso, isto é, o exercício posterior da ação regressiva contra o causador direto do dano. Por exemplo, se a agência de turismo é condenada a pagar por um prejuízo sofrido pelo consumidor durante a estadia num hotel, tem o direito de procurar reaver o que pagou em ação movida posteriormente contra o estabelecimento hoteleiro.
A lei 11.71/08 também disciplina, além de outras disposições, os deveres dos prestadores de serviço de turismo, de forma a obrigá-los a mencionar e utilizar, em qualquer forma de divulgação e promoção, o número de cadastro, os símbolos, expressões e demais formas de identificação determinadas pelo Ministério do Turismo; apresentar, na forma e no prazo estabelecido pelo Ministério do Turismo, informações e documentos referentes ao exercício de suas atividades, empreendimentos, equipamentos e serviços, bem como ao perfil de atuação, qualidades e padrões dos serviços por eles oferecidos; manter, em suas instalações, livro de reclamações e, em local visível, cópia do certificado de cadastro; e manter, no exercício de suas atividades, estrita obediência aos direitos do consumidor e à legislação ambiental, nos termos do art. 34.
2)               Como compatibilizar os artigos 1467 a 1472 do CC com as disposições do CDC em relação ao contrato de hospedagem e as bagagens?
R: O artigo 1467 e seguinte do Código Civil traz a garantia legal de penhor sobre bagagens, móveis, joias ou dinheiro de hóspedes em decorrência de débitos gerados por hospedaria ou fornecimento de pousada ou alimento. O artigo 1.469 traduz a ideia, ainda, de que o fornecedor deste tipo de serviço tem direito a retenção de um ou mais objetos acima indicados para garantir o valor da dívida.
Sob a ótica do CDC, não é possível compatibilizar essa disposição com o atual sistema de proteção ao consumidor.
Primeiro porque a lei 8078/90 veio para regulamentar uma vontade constitucional de tutelar o consumidor. Tal previsão, expressa no artigo 5º, diz que o estado promoverá a defesa do consumidor. Como sabemos, a Constituição Federal deve ser aplicada como um todo e essa disposição do Código Civil afronta diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana.
Em um segundo momento, é possível afirmar que a prática trazida no Código Civil incompatibiliza-se com a lei 8078/90, pois a prática de retenção configuraria cobrança vexatória, visto que o fornecedor tem meios jurídicos próprios de resguardar seu direito de receber por aquilo que prestou.
Nesse sentido, é possível discutir a legalidade e até a constitucionalidade da aplicação do penhor legal e do direito de retenção de bens do consumidor por parte do fornecedor.
3)               Responde a agência de viagem pela falha nas informações dadas por ela ao turista? É a agência de viagem responsável perante o consumidor, em decorrência do vício do serviço prestado durante a viagem (ex: atraso do voo? E pelo serviço ineficiente do hotel? E pelo serviço ineficiente do seguro viagem ou seguro saúde cuja contratação foi por ela intermediada)
R: A agência de turismo tem como uma de suas principais obrigações, senão a principal, fornecer as informações de forma adequada e precisa ao consumidor, visto ser ela a prestadora de um serviço que surge justamente pela informação que detém (pois é ela quem conhece o local, conhece os meios transportes necessários para chegada e saída, rotas, hotéis etc).
Com relação ao vício do voo e a ineficiência do hotel e do seguro, o grupo entende que há responsabilidade solidária entre a agência e os efetivos prestadores de serviço, visto que a principal caraterística da contratação de um serviço por meio da agência é garantir a organização da viagem, bem como o efetivo adimplemento do serviço contratado.
Isso porque a empresa turística ganha justamente por essa roteirização e assistência, já que os serviços podem ser contratados diretamente pelo consumidor com os prestadores diretos.
Para outra parte, não cabe as responsabilização das agências por ausência de nexo de causalidade entre a conduta desta empresa e a conduta da prestadora efetiva do serviço, porque esta que originou a lesividade.
Contudo, para rebater esse argumento é necessário lembrar que nas relações submetidas à aplicação da lei 8078/90 não há que se falar em nexo de causalidade direto, pois a cadeia de fornecedores é solidariamente responsável pelos danos causados ao consumidor. É exatamente essa a ratio legis do diploma consumerista, qual seja a de garantir o ressarcimento ao consumidor independentemente de quem foi o real ofensor.
Registramos, por fim, que dentro da cadeia de fornecedores caberá ação de regresso, visando ressarcir aquele que efetivamente pagou por aquele que casuisticamente causou o dano.
4)               É a operadora de turismo responsável pelo acidente de consumo causado pelo prestador do serviço (hotel, transporte, restaurante etc) por ela escolhido (analisar acórdão da Apelação nº 0006736-51.2010.8.26.0562, TJSP, rel. Des. EROS PICELI, julgado em 27.8.2012)?
R: Sim, a operadora de turismo é responsável solidária pelo acidente de consumo, nos termos do art. 7º, parágrafo único do CDC, porque indicou mal seus parceiros no pacote de turismo para prestador serviços aos seus consumidores.
A apelação interposta pela operadora de turismo teve o condão de diminuir o montante indenizatório a título de dano moral cuja decisão de primeiro grau julgou procedente o pedido do autor, condenando-a pelos danos materiais e morais.
Os fatos se deram da seguinte forma:
A operadora de turismo ofertou ao autor e à sua família, dentre outros itens no pacote de viagem, a realização de um jantar de gala de “réveillon” em famoso hotel em Quebec, Canadá, que não foi cumprido da forma contratada.
A solução dada pelo hotel foi em acomodar o autor e sua família numa biblioteca e, ali, numa mesa, preparar e realizar, improvisadamente, a refeição em comemoração ao ano novo. A família sentiu-se constrangida, pois esperava um suntuoso jantar de gala como o prometido na contratação do pacote. O dano moral restou confirmado pelo Tribunal, bem como mantido o montante indenizatório proferido na sentença em razão do constrangimento e da decepção suportados pelo autor.
Percebe-se que muito bem foram aplicadas as disposições do CDC quanto à solidariedade (art. 7º, parágrafo único, CDC), respondendo a operadora de turismo pelos prejuízos materiais e morais realizados por seus parceiros prestadores de serviços em face dos consumidores, pela má prestação de serviço, nos termos do art. 14, do CDC.
A condenação da operadora de turismo tem efeito pedagógico e punitivo no sentido de melhor avaliar seus parceiros para cumprimento de prestação de serviço aos seus consumidores. E, querendo, a operadora poderá ingressar com ação regressiva para discutir e melhor distribuir ou atribuir os danos que teve que arcar por ato praticado diretamente pelo hotel.
5)               É válida a cláusula contratual que prevê multa progressiva em caso de desistência do contrato de turismo pelo consumidor? (ex: se desistir até 45 dias da viagem – devolução)?
R: Entendemos que se a multa progressiva respeitar a proporcionalidade e a razoabilidade quanto aos prazos e ao percentual aplicado, essa cláusula não restará abusiva, desde que atenda aos requisitos do art. 46, do CDC, pois visa ressarcir eventual prejuízo do fornecedor pela rescisão do consumidor, muitas vezes, 24 horas antes da viagem. No entanto, referida cláusula deve reter um percentual razoável do total que foi pago pelo consumidor, sob pena de apropriar-se indevidamente do valor pago, sem que o consumidor usufrua da viagem.

Em que pese o entendimento de que a referida cláusula não se configura abusiva, acreditamos que seria mais seguro à compreensão do consumidor, a aplicação de uma multa num percentual fixo e não de forma progressiva, pois evitaria discussões acerca dos prazos e percentuais utilizados.

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