quarta-feira, 20 de agosto de 2014

SEMINÁRIO 11 - MÓD. II - INDENIZAÇÃO DO DANO MORAL DO CONSUMIDOR NO CDC

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” - Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 2 - Seminário 11, de 11/06/2014
Indenização do dano moral do consumidor no CDC

1.                  O dano moral deve ser entendido apenas como aquele prejuízo que causa sofrimento ao ser humano, comprometendo sua honra e/ou imagem? Assim entendido como mero fenômeno psíquico, sensação psicossomática de dor? Se assim é, tão-só a título de exemplo, como explicar os fundamentos das Súmulas 227, 370 e 388 do Superior Tribunal de Justiça?

Não, o dano moral transcende à ofensa aos direitos da personalidade que afetam o lesado como pessoa, atingindo sua esfera anímica (sua honra, intimidade, dignidade, imagem, paz, tranquilidade de espírito, etc.) acarretando-lhe justamente por esta razão: sofrimento psíquico ou moral, profunda tristeza, intensa angústia, humilhação e dor. As Súmulas 227, 370 e 388 são exemplos para demonstrarem que o dano moral vai além da ofensa aos direitos da personalidade. 

No primeiro caso, da Súmula 227 (a pessoa jurídica pode sofrer dano moral), a pessoa jurídica não sente, não sofre com a ofensa à sua honra subjetiva, à sua imagem, ao seu caráter, atributos do direito de personalidade, inerente somente a pessoa física. Mas, não se pode negar, a possibilidade de ocorrer ofensa ao nome da empresa, a sua reputação, que, nas relações comerciais, alcançam acentuadas proporções em razão da influência que o conceito da empresa exerce;

No segundo caso, da Súmula 370 (caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque), mesmo o cheque sendo uma ordem de pagamento à vista, há de se entender como de má-fé a sua apresentação antecipada por parte do beneficiário, conduta está que viola frontalmente o princípio da boa-fé objetiva;

No terceiro caso, da Súmula 388 (a simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral), o dano moral surge da experiência comum, uma vez que a devolução do cheque causa desconforto e abalo tanto a honra quanto a imagem do emitente.

2.                  Como estabelecer o marco divisório entre o prejuízo extrapatrimonial e aquilo que se considera mero aborrecimento/dissabor? Como deve agir o intérprete na avaliação dessa realidade? A boa-fé objetiva pode servir de parâmetro de referência?

Para estabelecer a diferença entre um prejuízo extrapatrimonial - dano moral - e um mero aborrecimento ou dissabor é necessário compreender que nem todo dano, seja ele patrimonial ou não - como é o caso -, é indenizável. Assim, importante entender que ‘meros dissabores’ não estão sujeitos ao ressarcimento e tampouco serão considerados para fins de indenização a título de danos morais. Doutrina e jurisprudência andam juntos ao entender que há um limite de incômodos que o ser humano deve suportar sem que isso caracterize danos morais indenizáveis. Enquadra-se como prejuízo extrapatrimonial aquele que cause ao indivíduo um considerável desequilíbrio em seu bem-estar, bem como angústia, aflição e inequívoco abalo psicológico, excluindo-se, assim, as situações que geram simples aborrecimentos e irritações. Portanto, compreendemos que o dano moral é configurado pela repercussão que o prejuízo causado gera na vida pessoal da vítima, ora consumidor atingido, devendo o intérprete assim analisar o caso concreto.

Por óbvio que a boa-fé objetiva servirá como parâmetro. Pressupõe-se que tanto o fornecedor quanto o consumidor atuem com transparência e honestidade. A boa-fé deve estar presente em todas as fases da relação de consumo, e para fins de apuração dos danos morais não deve ser diferente, evitando-se qualquer abusividade ou desequilíbrio na relação consumerista.

3.                  A partir do conteúdo específico do princípio da adstrição (ou da correlação), inscrito nos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil, explicar a lógica da regra de divisão de sucumbência na Súmula 326 do Superior Tribunal de Justiça.

Diante de uma ação judicial em que se pleiteia indenização por dano moral, não é possível reconhecer qualquer afronta aos artigos 128 e 460, ambos do CPC, se o valor da condenação não atender ao montante pretendido no pedido inicial.

Não se trata de desrespeito ao princípio da adstrição, correlação ou congruência, na medida em que não se configura julgamento que não alcança os limites da lide.

Em se tratando de matéria atinente ao dano moral, o reconhecimento judicial de sua configuração é o que basta para o acolhimento da pretensão do ofendido. Esta circunstância não implicará no chamado julgamento “citra petita”, se o arbitramento da verba indenizatória se der em valor diverso do esperado pelo autor. Afinal, a dosagem da indenização depende da análise do caso concreto e das peculiaridades ali demonstradas, as quais serão determinantes para contribuir no arbitramento pelo magistrado.

Daí a pertinência do advento da Súmula nº 326 do Superior Tribunal de Justiça (“Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.”), uma vez que, repita-se, o valor arbitrado a título de dano moral, ainda que aquém do postulado na petição inicial não afasta a vitória do pleiteante que recebe o reconhecimento judicial do dano moral alegado, cuja reparação se dá através da condenação imposta pelo magistrado amparado nas circunstâncias de cada caso, conforme já ressaltado.

A função punitiva com base na Teoria do Desestímulo deve funcionar como componente da reparação, somente quando existe a possibilidade de se apurar, com segurança, a ocorrência de comportamento lesivo do ofensor, por malícia ou grave negligência, pois visa evitar futuros danos, aplicando-se assim uma sanção pecuniária com o intuito de prevenir a prática de novos comportamentos ilícitos. Sabendo-se, ainda, que a reparação do dano moral é composta por 2 fatores, a saber: caráter punitivo (aflitivo) e caráter compensatório.

A análise da culpa (elemento subjetivo do agente ofensor, dolo ou culpa), tem relevância nesse momento pois são estes requisitos que possibilitam ao julgador a fixação da indenização. Com isso, se mostra imprescindível o diagnóstico da culpa, de modo que a função punitiva visa compor a indenização exclusivamente no caso de dolo do ofensor ou gravidade de seu ato, sob pena de excesso de punição do ofensor, por exemplo, atraso na entrega do produto adquirido on line, por motivos que fogem à ingerência do comerciante, mas, dizem respeito apenas ao agente de transporte, cujo erro pode ou não ser justificado.

A Teoria do Desestímulo, já identificada em nossa jurisprudência, não alcança paridade de reflexo do punitive damages do direito anglo-saxão, onde a abrangência do instituto estende-se a todas as questões de responsabilidade civil (exemplary damages), e não apenas aos casos de danos morais, como na Teoria do Desestímulo.

Nestas hipóteses, a reparação assume a força inibidora necessária para permitir que se alcance efetivo sancionamento do lesante e desestímulo à prática de outros atos ilícitos.

De fato, a cultura nacional, bem como, de alguns entes públicos, haja vista os cotidianos escândalos anunciados, não alcança o patamar de seriedade exigido na blindagem de interesses particulares, necessária que é para coibir o enriquecimento sem causa de algumas vítimas de dano.

Para equacionar o perigo do enriquecimento sem causa da vítima, a indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação enseje enriquecimento indevido, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte financeiro das partes, orientando-se o julgador pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, valendo-se da sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, não deixando de observar, outrossim, a natureza punitiva e disciplinadora da indenização.

Entretanto, é possível a adoção de mecanismos impeditivos do enriquecimento ilícito da vítima de dano, mesmo aplicando a punição do desestímulo, quando, por exemplo, o aspecto punitivo da medida determine que o valor de tal indenização seja revertido a determinadas instituições sociais ou fundos de igual natureza e propósito, ainda assim, com ressalvas.

Vale o destaque de que o aspecto punitivo do dano moral, ainda que tenha o seu mérito em muitos casos, não deixa de colaborar com outro aspecto, evidente na sociedade, qual seja, manter o Estado na zona de conforto, ou mesmo inércia, quanto as suas obrigações, sobretudo nas questões das atribuições fiscalizatórias, de orientação e suporte nas relações jurídicas e seus reflexos inerentes à questão da responsabilidade civil, a fim de evitar ou minimizar os danos, muitas e muitas vezes, repetitivos.

1.                  Há dano moral coletivo? Como deve ser a fixação da indenização? Analisar o Acórdão da Apelação nº 0183715-56.2011.8.26.0100 - enviando por e-mail. Você concorda com a conclusão? (justificar).

Sim é possível a caracterização do dano moral coletivo, que representa uma modalidade de dano moral configurado quando há violação a direitos da personalidade em seu aspecto individual homogêneo ou coletivo em sentido estrito, sendo as vítimas determinadas ou determináveis, onde a indenização é destinada a elas (art. 81, parágrafo único e incisos II e III) c.c. art. 5º, incisos V e X, da Carta Magna de 1988).

No caso em tela, andou bem o Tribunal em afastar o decreto de extinção por ilegitimidade do Ministério Público para propositura da ação civil pública adentrando no julgamento do mérito, com fundamento no art. 515, § 3º, do CPC.

Inobstante o fato de a indenização ter sido fixada levando-se em consideração o “quantum” referente ao dano coletivo, esta circunstância não impede os consumidores que sofreram prejuízos outros, além de excessivo abalo psicológico - e não apenas um mero dissabor -, ajuizarem ações individuais para pleitearem a reparação do seu dano moral relativo à cada situação fática experimentada. Nesse passo, é perfeitamente cabível, a despeito do montante relativo à condenação de forma coletiva, todos os interessados possam buscar na justiça o seu direito na demanda.

No entanto, no caso em análise, andou bem o Tribunal quando decidiu em dar provimento parcial ao pedido da apelante, na medida em que não ficou configurado o dano moral coletivo, mas sim todas outras obrigações de fazer e não fazer das apeladas, haja vista os inequívocos vícios de qualidade, informação errônea, ausência de informação, manual de instruções incompleto, além de falta de conexão entre o fabricante e a distribuidora e a ausência de certificação compulsória nos Órgãos responsáveis a tais produtos estrangeiros que adentram no Brasil (ANATEL/INMETRO).

Tudo isso, caracterizando a quebra de confiança e expectativa que os consumidores depositaram no fornecedor quando da escolha para aquisição dos seus produtos. Também não se pode olvidar que com o afastamento do MP correr-se-ia o risco de não se prestar uma jurisdição mais célere, portanto menos justa, haja vista que a Constituição da República estabelece não só o direito de ação (Art. 5º, XXXIV, “a”, e XXXV, da CF/88), mas também a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (Art. 5º, LVXXIII, da CF/88).

Nesse passo, pensamos ter sido acertada a conclusão do Tribunal, pois obrigou as apeladas a cumprirem todos os requisitos formais exigidos para comercializarem seus itens de forma mais transparente e livre de vícios no território brasileiro, excetuando apenas a existência de ter havido dano moral coletivo, haja vista a ausência de danos morais puros, os quais só se caracterizam pela dor física ou sofrimento moral, situação de angústia, forte estresse, grave desconforto, exposição à situação de vexame ou outra ofensa a direitos da personalidade, o que não ocorreu no caso concreto.

Daí, pode-se extrair a essência do acórdão quando afastou o acolhimento de dano moral coletivo, na medida em que, no caso em comento, verificou-se que orbitou desde o início apenas a figura do vício e não a do fato do produto, pois aí sim poder-se-ia ensejar o dano moral coletivo. (“Há que se percorrer, na difícil caracterização do dano moral, o trajeto da lógica do razoável, em busca das sensibilidades ético-social normal. Deve-se tomar por paradigma o cidadão que se coloca a igual distância do homem frio, insensível e o homem de extremada sensibilidade. Nessa linha de princípio, só deve ser reputada como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo a normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflição, angústia e desequilíbrio no seu bem estar, não bastando mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada.”) Sérgio Cavalieri Filho - Citação no Voto nº 2.193 da Apelação com Revisão nº 0183715-56.20118.26.0100 - Comarca de São Paulo.

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