ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato
Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 2 - Seminário 8 de 08/05/2014
Responsabilidade por fato do produto
e do serviço
1) Qual o conceito de
defeito no CDC? Dar classificação e exemplos.
O conceito de defeito está previsto no artigo 12, § 1º no Código de Defesa do
Consumidor (“Art. 12. O fabricante, o
produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem,
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção,
montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus
produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
utilização e riscos. § 1° O produto é
defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera,
levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as
quais:”). Defeito é a anomalia que compromete a segurança que se
espera da utilização de um produto ou de um serviço e que cause dano (ou risco
de dano em potencial) aos consumidores.
O defeito/fato do produto e do serviço é
classificado em:
a) defeito de concepção ou criação;
exemplo: roupas de boneca feitas de ímãs que, em decorrência de defeito na
criação do produto, facilitavam a ingestão das peças pelas crianças.
b) defeito de produção ou fabricação;
exemplo: problemas com o freio de automóveis, “airbag”, dentre outros.
c) defeito de informação ou comercialização;
exemplo: produtos químicos que não alertam sobre o perigo de ingestão ou
manipulação.
2) O que é “risco do
desenvolvimento” no CDC? Quais os critérios para sua identificação e para sua
aplicação como excludente da responsabilidade civil?
A
teoria do “risco do desenvolvimento” trata da possibilidade de
responsabilização ou não do fornecedor por produtos que, no momento de sua
inserção no mercado de consumo, eram considerados seguros frente à melhor
técnica e ciência da época e, posteriormente, se mostraram danosos aos
consumidores.
No
ordenamento jurídico brasileiro não há previsão expressa sobre a aceitação
dessa teoria quanto às relações de consumo. O CDC não inclui o risco do
desenvolvimento dentre as excludentes expressas nos artigos 12 e 14. A única
ressalva, que poderia ser entendida como menção à dita teoria encontra-se no
art. 10, que determina que o fornecedor não pode disponibilizar para consumo
produto que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou
periculosidade à saúde ou segurança dos consumidores.
Para
caracterizar o risco do desenvolvimento, deve-se levar em conta o momento em
que o produto ou serviço foi colocado em circulação e se um produto com melhor
qualidade e segurança fez com que se descobrisse um vício no produto obsoleto
que, quando anteriormente foi lançado no mercado de consumo, não existia.
A
maioria doutrinária (Antônio Herman V. e Benjamim, Sérgio Cavalieri Filho,
Roberto Senise Lisboa, Marcelo Junqueira Calixto, entre outros) é pelo
posicionamento de que o risco do desenvolvimento não pode servir de causa
excludente de responsabilidade civil. Entre os vários argumentos está o fato de
que o CDC não mencionou esse risco dentre as causas eximentes de
responsabilidade do rol taxativo do §3º do art. 12, para o fato do produto e do
§3º artigo 14 do CDC, para o fato do serviço.
Outro
argumento é que o fato de o CDC adotar a responsabilidade civil objetiva do
fornecedor nas relações de consumo, retira-lhe a possibilidade de exclusão por
eventual risco do desenvolvimento, isso porque assumiu todos os riscos de sua
atividade empresarial, mesmo que o fato do produto ocorra anos depois de sua
inserção no mercado de consumo. O risco do desenvolvimento é considerado como
uma espécie do gênero defeitos de concepção, sendo que esta espécie decorre da
carência de informação científica no momento da concepção sobre os riscos
decorrentes da adoção de determinada inovação tecnológica.
Contrária
a esse posicionamento, outra parte da doutrina (entre eles Gustavo Tepedino e
James Marins) entende que o fornecedor não deve ser responsabilizado civilmente
quando enfrentar um fato do produto decorrente do risco do desenvolvimento.
Entre os argumentos depreende-se, da leitura dos artigos 6º, 10 e 12 do CDC,
que é lícito ao fornecedor inserir no mercado um produto que, à luz da ciência
e da tecnologia da época, não se saiba nem se poderia saber perigoso para os
consumidores.
Por
conta disso, não se pode dizer que o risco do desenvolvimento seja um defeito
de criação, produção ou informação. Esse defeito, deverá ser considerado como
fato juridicamente irrelevante, de conformidade com o art. 12, “caput”, §1º, II
e III, do CDC, incapaz, portanto, de impor responsabilidade ao fornecedor.
03. Quando o
comerciante é responsável pelo fato do produto? (alcance do artigo 13 do CDC).
Trabalhe a seguinte hipótese: um consumidor numa comarca do interior comprou um
celular numa grande rede de supermercados BIG BEM, sendo que a bateria acabou
por explodir, causando-lhe ferimentos. Quem será, em tese, responsável pelos
danos oriundos de suposto defeito do produto? Poderá acionar a loja BIG BEM,
isoladamente? Poderá acionar o BIG BEM, a fabricante do celular e a fabricante
da bateria?
A
responsabilidade civil decorrente de danos ocasionados pelo fato do produto ou
do serviço adota a modalidade objetiva. Esta responsabilidade, prevista no
artigo 12, caput, da lei 8078/90,
prevê que os fabricantes, produtores, construtores e importadores respondem
pelos danos ocasionados pelos acidentes de consumo independentemente da
apuração de elemento subjetivo, devendo-se provar apenas o dano e o nexo de
causalidade entre a conduta e o resultado. Ocorre que, ao final da cadeia de
consumo, existe a figura do comerciante, que não está elencado no rol do artigo
12, mas sim no artigo 13 do mesmo diploma legal por ser excepcionalmente
responsável. A responsabilidade do comerciante também é objetiva e solidária,
mas deve estar presente alguma das hipóteses elencadas nos incisos do referido
artigo. O rol taxativo traz as seguintes possibilidades:
I - o fabricante, o construtor, o produtor ou
o importador não puderem ser identificados;
II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor,
construtor ou importador;
III - não
conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Conclui-se,
portanto, que nessas situações o comerciante será solidariamente responsável
com as figuras do artigo 12, caput,
da lei 8078/90.
No
caso ventilado, partimos do pressuposto que o cliente saiba quem são os
fabricantes do celular e da bateria. Nessa situação a responsabilidade
inicialmente é do fabricante, figurando a hipótese do artigo 12 do CDC.
Com
relação ao consumidor acionar isoladamente o comerciante, tem-se entendido que
é possível, e que assiste a ele a possibilidade de ação de regresso caso seja
condenado ao ressarcimento do dano. A fundamentação da corrente jurisprudencial
que entende dessa forma parte da ideia de que o comerciante também aufere
vantagem pecuniária com a relação de consumo e, portanto, tem o dever de
assegurar que o direito do consumidor seja observado.
Se
for observada a letra fria da lei teríamos a inépcia da inicial por carência da
ação, uma vez que, caso fosse possível identificar as figuras do artigo 12,
seria o comerciante parte ilegítima da ação. Mas, como exposto acima, temos a
possibilidade do comerciante ser acionado isoladamente.
Sobre
a possibilidade de litisconsórcio passivo entre comerciante, e as fabricantes
do celular e da bateria, podemos concluir que, apesar da lei elencar hipóteses
restritas em que o comerciante é responsável e, no presente caso, não estarem
presentes nenhuma delas, é plausível a formação do litisconsórcio com a
finalidade de assegurar o contraditório entre as rés para se verificar, em
cognição exauriente, a ocorrência ou não das hipóteses do artigo 13 do CDC.
04. Analisar o acórdão do STJ REsp nº
1.328.916-RJ, relatora Min. Nancy Andrighi, julgado em 24.03.2014. Ela
considerou o produto defeituoso? A ingestão efetiva do produto altera sua
qualificação como defeituoso? Qual a importância ou o reflexo da ingestão ou
não de um produto com um corpo estranho para o reconhecimento do dano moral?
(veja também os acórdãos do TJSP enviados)
No acórdão proferido pela Minª Nancy
Andrighi extrai-se verdadeiro magistério acerca das distinções entre fato e
vício do produto e serviço, segundo a legislação consumerista; no qual se
conclui que o caso concreto representa questão atinente a fato do produto, que
foi considerado defeituoso.
É evidente a imprescindibilidade de
ingestão do alimento para que o defeito se aperfeiçoasse ou permitisse a
configuração do dano moral indenizável. Isto, porque estamos diante de um dano
em potencial, sendo certo que a responsabilidade do fabricante se dá,
inclusive, pelo resultado que poderia advir da ingestão do produto. Ademais, em
se tratando de dano in re ipsa, não
se há que exigir a prova do dano. Fato é que a consumidora foi exposta à
situação que envolveu sua segurança, no tocante à saúde, de modo que a mera
possibilidade de ingestão do alimento é hábil a justificar a pretensão indenizatória
reconhecida pelo acórdão.
Ademais, pertinente uma análise mais
apurada sobre a compensação por danos morais, pois essa matéria ainda causa
grande controvérsia nos tribunais. No caso em tela, penso que andou bem a
Ministra Nancy Andrigui porque deixou bem claro que já havia dado provimento em
acórdãos anteriores de casos semelhantes. Nesse passo, deixando evidente a sua
preferência, neste caso, pelo risco em potencial e não somente ao dano efetivo
posterior.
O próprio entendimento de que a reparação
por dano moral só será cabível quando o consumidor experimentar uma situação de
extremo abalo psicológico acaba interferindo perigosamente na questão do risco
potencial, pois este intituto ainda não foi banido do CDC, felizmente.
Ao nosso ver, a sentença que julgou
parcialmente apenas para o condenar a BIMBO DO BRASIL LTDA a pagar R$ 3,12
(três reais e doze centavos) a título de dano material, não foi adequada porque
feriu diametralmente o que preconiza o Art. 6º, VI, do CDC, no qual aduz que
são direitos básicos do consumidor a prevenção e reparação de danos morais e
patrimoniais. Ora, o termo prevenção
é justamente dirigido aquele dano que ainda não ocorreu (risco potencial),
diferentemente da expressa reparação que
é utilizada quando o dano já se efetivou (dano suportado).
Inobstante a forma hábil com que a
recorrida se manifestou nos diversos recursos, a fim de demonstrar ser
incabível a reparação por danos morais, certo é que a responsabilidade pelo
fato do produto, no CDC, é objetiva; logo, prescinde da análise de culpa, pois
o fabricante tem o dever de colocar um produto no mercado sem riscos à saúde ou
à segurança dos consumidores (Art. 8º, do CDC). O CDC não obriga ninguém a empreender, mas se optar por isso, então
terá o fornecedor de produtos ou serviços que cumprir todas as normas afins,
além de suportar os riscos da ativididade.
Vale lembar que o CDC é apenas mais
uma poderosa ferramenta que tem o consumidor para fazer valer os seus direitos,
isso porque a própria CF/88 priorizou o ser humano como aquele que possui a
máxima proteção e tutela no ordenamento jurídico, razão pela qual é inegável o
seu viés constitucional, notadamente, de direito fundamental, pois visa
conferir proteção especial à dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, CF/88).
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