quarta-feira, 20 de agosto de 2014

SEMINÁRIO 8 - MÓD. II - RESPONSABILIDADE POR FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 2 - Seminário 8 de 08/05/2014
Responsabilidade por fato do produto e do serviço

1) Qual o conceito de defeito no CDC? Dar classificação e exemplos.

O conceito de defeito está previsto no artigo 12, § 1º no Código de Defesa do Consumidor (“Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:”). Defeito é a anomalia que compromete a segurança que se espera da utilização de um produto ou de um serviço e que cause dano (ou risco de dano em potencial) aos consumidores.

O defeito/fato do produto e do serviço é classificado em:

a) defeito de concepção ou criação; exemplo: roupas de boneca feitas de ímãs que, em decorrência de defeito na criação do produto, facilitavam a ingestão das peças pelas crianças.

b) defeito de produção ou fabricação; exemplo: problemas com o freio de automóveis, “airbag”, dentre outros.

c) defeito de informação ou comercialização; exemplo: produtos químicos que não alertam sobre o perigo de ingestão ou manipulação.

2) O que é “risco do desenvolvimento” no CDC? Quais os critérios para sua identificação e para sua aplicação como excludente da responsabilidade civil?

A teoria do “risco do desenvolvimento” trata da possibilidade de responsabilização ou não do fornecedor por produtos que, no momento de sua inserção no mercado de consumo, eram considerados seguros frente à melhor técnica e ciência da época e, posteriormente, se mostraram danosos aos consumidores.

No ordenamento jurídico brasileiro não há previsão expressa sobre a aceitação dessa teoria quanto às relações de consumo. O CDC não inclui o risco do desenvolvimento dentre as excludentes expressas nos artigos 12 e 14. A única ressalva, que poderia ser entendida como menção à dita teoria encontra-se no art. 10, que determina que o fornecedor não pode disponibilizar para consumo produto que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança dos consumidores.

Para caracterizar o risco do desenvolvimento, deve-se levar em conta o momento em que o produto ou serviço foi colocado em circulação e se um produto com melhor qualidade e segurança fez com que se descobrisse um vício no produto obsoleto que, quando anteriormente foi lançado no mercado de consumo, não existia.

A maioria doutrinária (Antônio Herman V. e Benjamim, Sérgio Cavalieri Filho, Roberto Senise Lisboa, Marcelo Junqueira Calixto, entre outros) é pelo posicionamento de que o risco do desenvolvimento não pode servir de causa excludente de responsabilidade civil. Entre os vários argumentos está o fato de que o CDC não mencionou esse risco dentre as causas eximentes de responsabilidade do rol taxativo do §3º do art. 12, para o fato do produto e do §3º artigo 14 do CDC, para o fato do serviço.

Outro argumento é que o fato de o CDC adotar a responsabilidade civil objetiva do fornecedor nas relações de consumo, retira-lhe a possibilidade de exclusão por eventual risco do desenvolvimento, isso porque assumiu todos os riscos de sua atividade empresarial, mesmo que o fato do produto ocorra anos depois de sua inserção no mercado de consumo. O risco do desenvolvimento é considerado como uma espécie do gênero defeitos de concepção, sendo que esta espécie decorre da carência de informação científica no momento da concepção sobre os riscos decorrentes da adoção de determinada inovação tecnológica.

Contrária a esse posicionamento, outra parte da doutrina (entre eles Gustavo Tepedino e James Marins) entende que o fornecedor não deve ser responsabilizado civilmente quando enfrentar um fato do produto decorrente do risco do desenvolvimento. Entre os argumentos depreende-se, da leitura dos artigos 6º, 10 e 12 do CDC, que é lícito ao fornecedor inserir no mercado um produto que, à luz da ciência e da tecnologia da época, não se saiba nem se poderia saber perigoso para os consumidores.

Por conta disso, não se pode dizer que o risco do desenvolvimento seja um defeito de criação, produção ou informação. Esse defeito, deverá ser considerado como fato juridicamente irrelevante, de conformidade com o art. 12, “caput”, §1º, II e III, do CDC, incapaz, portanto, de impor responsabilidade ao fornecedor.

03. Quando o comerciante é responsável pelo fato do produto? (alcance do artigo 13 do CDC). Trabalhe a seguinte hipótese: um consumidor numa comarca do interior comprou um celular numa grande rede de supermercados BIG BEM, sendo que a bateria acabou por explodir, causando-lhe ferimentos. Quem será, em tese, responsável pelos danos oriundos de suposto defeito do produto? Poderá acionar a loja BIG BEM, isoladamente? Poderá acionar o BIG BEM, a fabricante do celular e a fabricante da bateria?

A responsabilidade civil decorrente de danos ocasionados pelo fato do produto ou do serviço adota a modalidade objetiva. Esta responsabilidade, prevista no artigo 12, caput, da lei 8078/90, prevê que os fabricantes, produtores, construtores e importadores respondem pelos danos ocasionados pelos acidentes de consumo independentemente da apuração de elemento subjetivo, devendo-se provar apenas o dano e o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado. Ocorre que, ao final da cadeia de consumo, existe a figura do comerciante, que não está elencado no rol do artigo 12, mas sim no artigo 13 do mesmo diploma legal por ser excepcionalmente responsável. A responsabilidade do comerciante também é objetiva e solidária, mas deve estar presente alguma das hipóteses elencadas nos incisos do referido artigo. O rol taxativo traz as seguintes possibilidades:

I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
II - o  produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;
III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Conclui-se, portanto, que nessas situações o comerciante será solidariamente responsável com as figuras do artigo 12, caput, da lei 8078/90.

No caso ventilado, partimos do pressuposto que o cliente saiba quem são os fabricantes do celular e da bateria. Nessa situação a responsabilidade inicialmente é do fabricante, figurando a hipótese do artigo 12 do CDC.

Com relação ao consumidor acionar isoladamente o comerciante, tem-se entendido que é possível, e que assiste a ele a possibilidade de ação de regresso caso seja condenado ao ressarcimento do dano. A fundamentação da corrente jurisprudencial que entende dessa forma parte da ideia de que o comerciante também aufere vantagem pecuniária com a relação de consumo e, portanto, tem o dever de assegurar que o direito do consumidor seja observado.

Se for observada a letra fria da lei teríamos a inépcia da inicial por carência da ação, uma vez que, caso fosse possível identificar as figuras do artigo 12, seria o comerciante parte ilegítima da ação. Mas, como exposto acima, temos a possibilidade do comerciante ser acionado isoladamente.

Sobre a possibilidade de litisconsórcio passivo entre comerciante, e as fabricantes do celular e da bateria, podemos concluir que, apesar da lei elencar hipóteses restritas em que o comerciante é responsável e, no presente caso, não estarem presentes nenhuma delas, é plausível a formação do litisconsórcio com a finalidade de assegurar o contraditório entre as rés para se verificar, em cognição exauriente, a ocorrência ou não das hipóteses do artigo 13 do CDC.

04. Analisar o acórdão do STJ REsp nº 1.328.916-RJ, relatora Min. Nancy Andrighi, julgado em 24.03.2014. Ela considerou o produto defeituoso? A ingestão efetiva do produto altera sua qualificação como defeituoso? Qual a importância ou o reflexo da ingestão ou não de um produto com um corpo estranho para o reconhecimento do dano moral? (veja também os acórdãos do TJSP enviados)

No acórdão proferido pela Minª Nancy Andrighi extrai-se verdadeiro magistério acerca das distinções entre fato e vício do produto e serviço, segundo a legislação consumerista; no qual se conclui que o caso concreto representa questão atinente a fato do produto, que foi considerado defeituoso.

É evidente a imprescindibilidade de ingestão do alimento para que o defeito se aperfeiçoasse ou permitisse a configuração do dano moral indenizável. Isto, porque estamos diante de um dano em potencial, sendo certo que a responsabilidade do fabricante se dá, inclusive, pelo resultado que poderia advir da ingestão do produto. Ademais, em se tratando de dano in re ipsa, não se há que exigir a prova do dano. Fato é que a consumidora foi exposta à situação que envolveu sua segurança, no tocante à saúde, de modo que a mera possibilidade de ingestão do alimento é hábil a justificar a pretensão indenizatória reconhecida pelo acórdão.

Ademais, pertinente uma análise mais apurada sobre a compensação por danos morais, pois essa matéria ainda causa grande controvérsia nos tribunais. No caso em tela, penso que andou bem a Ministra Nancy Andrigui porque deixou bem claro que já havia dado provimento em acórdãos anteriores de casos semelhantes. Nesse passo, deixando evidente a sua preferência, neste caso, pelo risco em potencial e não somente ao dano efetivo posterior.

O próprio entendimento de que a reparação por dano moral só será cabível quando o consumidor experimentar uma situação de extremo abalo psicológico acaba interferindo perigosamente na questão do risco potencial, pois este intituto ainda não foi banido do CDC, felizmente.

Ao nosso ver, a sentença que julgou parcialmente apenas para o condenar a BIMBO DO BRASIL LTDA a pagar R$ 3,12 (três reais e doze centavos) a título de dano material, não foi adequada porque feriu diametralmente o que preconiza o Art. 6º, VI, do CDC, no qual aduz que são direitos básicos do consumidor a prevenção e reparação de danos morais e patrimoniais. Ora, o termo prevenção é justamente dirigido aquele dano que ainda não ocorreu (risco potencial), diferentemente da expressa reparação que é utilizada quando o dano já se efetivou (dano suportado).

Inobstante a forma hábil com que a recorrida se manifestou nos diversos recursos, a fim de demonstrar ser incabível a reparação por danos morais, certo é que a responsabilidade pelo fato do produto, no CDC, é objetiva; logo, prescinde da análise de culpa, pois o fabricante tem o dever de colocar um produto no mercado sem riscos à saúde ou à segurança dos consumidores (Art. 8º, do CDC). O CDC não obriga ninguém a empreender, mas se optar por isso, então terá o fornecedor de produtos ou serviços que cumprir todas as normas afins, além de suportar os riscos da ativididade.

Vale lembar que o CDC é apenas mais uma poderosa ferramenta que tem o consumidor para fazer valer os seus direitos, isso porque a própria CF/88 priorizou o ser humano como aquele que possui a máxima proteção e tutela no ordenamento jurídico, razão pela qual é inegável o seu viés constitucional, notadamente, de direito fundamental, pois visa conferir proteção especial à dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, CF/88).



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