segunda-feira, 18 de agosto de 2014

SEMINÁRIO 6 - MÓD. II - ASPECTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 2 - Seminário 6, de 10/04/2014
Aspectos Gerais da Responsabilidade Civil no CDC

1 – O CDC adotou uma chamada “Teoria da Qualidade”? (explicar as razões)

Resp.: Sim, o CDC adotou a chamada teoria da qualidade numa perspectiva dicotômica: a proteção do patrimônio do consumidor (com o tratamento dos vícios de qualidade por inadequação) acolhida como princípio informativo da "Política Nacional das Relações de Consumo" conforme dispõe o art. 4°, II, d e a proteção da saúde do consumidor (com o tratamento dos vícios de qualidade por insegurança), tido como direito básico do consumidor conforme art. 6º, I, do CDC. Logo, a teoria da qualidade tem um pé na órbita da tutela da incolumidade físico-psíquica do consumidor e outro na tutela de sua incolumidade econômica.

Em matéria de qualidade, observe-se que a proteção da saúde do consumidor (normas de prevenção e normas de "responsabilidade pelo fato do produto e do serviço") e a proteção do patrimônio do consumidor ("responsabilidade por vício do produto e do serviço") estão perfeitamente separadas, aquela nos arts. 8° a 17 e esta nos arts. 18 a 25.

2 – O CDC adotou a Responsabilidade Objetiva? Em que termos? Quais os pressupostos (elementos) para reconhecimento da responsabilidade do fornecedor por um prejuízo (material ou moral do consumidor)?

Resp.: Sim, o CDC adotou a Teoria da Responsabilidade Objetiva. O fornecedor vai responder pelo dano que seu produto/serviço causar, independente da comprovação da culpa, nos termos dos arts. 12 e 14 do CDC. Podemos dizer que pela Teoria do Risco da Atividade, todos aqueles que fornecem produtos ou serviços criam um risco de dano e, caso o evento danoso se concretize, nasce o dever de reparação, independente de dolo ou culpa.

Os pressupostos para o reconhecimento da responsabilidade do fornecedor, seja o prejuízo material ou moral, são o vício e/ou defeito no produto ou serviço, o evento danoso (prejuízo) e o nexo de causalidade entre o vício/defeito e o dano sofrido. A responsabilidade pelo fato do produto está prevista no “caput” do art. 12, do CDC e a responsabilidade pelo fato do serviço no art. 14, do CDC. Quando houver um defeito no produto falamos da segurança (“INDENIZAÇÃO - Danos materiais - Saque indevido em conta corrente - Serviço bancário - Quebra da segurança legitimamente esperada – Serviço defeituoso - Responsabilidade objetiva nos termos do art. 14 do CDC - Sentença mantida - Recurso improvido.” – AC nº 9153816-78.2002.8.26.0000 – v.u. j. de 08.02.11 – Rel. Des. CÂNDIDO ALEM), enquanto o vício está atrelado a qualidade e quantidade (“...verificada a existência de vício de qualidade do bem, consistente na ausência de correspondência da numeração física do motor com a registral, de rigor a configuração da responsabilidade objetiva e solidária dos integrantes da cadeia de fornecimento” – v.u. j. de 19.03.14 – Rel. Des. HAMID BDINE).

Por fim, importante ressaltar que os profissionais liberais são exceção a Teoria da Responsabilidade Objetiva. Aos profissionais liberais se aplica a Teoria da Responsabilidade Subjetiva, nessa modalidade a vítima deve comprovar a culpa do profissional.

3 – a) O CDC adotou a chamada “teoria do risco da atividade”? (explicar); b) É possível o diálogo entre o CDC e o artigo 927, parágrafo único do CC? (O CC pode ser aplicado à relação de consumo? Por que?); c) Qual o alcance do CC (art. 927, parágrafo único), ao mencionar “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para direitos de outrem”? (somente risco à saúde?, ou também risco ao patrimônio? e d) Dê exemplos (além dos acórdãos) de atividades de risco e que envolvam relação de consumo.

Resp: A teoria do risco da atividade foi amplamente acolhida pelo Código de Defesa do Consumidor como mecanismo a contribuir para a adoção da responsabilidade objetiva do produto (art. 12) e do serviço (art. 14), princípio basilar das regras protetivas ao consumidor. É o que se extrai do magistério de Sérgio Cavalieri Filho:

Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco do negócio. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa.(Sérgio Cavalieri Filho in  ‘O direito do consumidor no limiar século XXI’, Revista de Direito do Consumidor, Revista dos Tribunais, nº 35, jul/set. 2000, p. 105)

Dito isto, cumpre observar que, a despeito da responsabilidade objetiva adotada pela legislação consumerista, não se pode perder de vista a análise do nexo de causalidade na situação fática, sem o qual não será configurado o dever de reparação.

De qualquer modo, o risco da atividade está afiliado à uma ideia de possível dano que pode ser gerado pelo simples exercício da prática no mercado de consumo, circunstância que terá o condão de atrair para o fabricante, produtor ou fornecedor o ônus de responder por defeito ou vício de produtos ou serviços que tenha disponibilizado aos consumidores.

Quando o risco é inerente ao produto ou serviço sua comercialização prescinde do fornecimento de informações claras e precisas sobre o perigo decorrente do uso, tal como a aquisição de uma faca ou o uso de medicamento que possa provocar efeitos colaterais. Nestes casos, o dever de informação está atrelado ao respeito às normas técnicas e de segurança, de modo que o fabricante, produtor, distribuidor ou prestador de serviços assume a responsabilidade pela qualidade e segurança do produto ou serviço, ressalvada a observância ao nexo de causalidade já citado e o “agir” de cada um nesta cadeia de consumo.

É possível que o CDC se comunique com as disposições previstas no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, o que se dá através do chamado “diálogo das fontes”, com o intuito de permitir uma situação mais benéfica ao consumidor. Este cenário será pertinente quando o regramento do CDC não oferecer uma proteção mais efetiva ao consumidor; o que propiciará o uso da regra insculpida no art. 927 e seu parágrafo da legislação civil, que se estende à tutela protetiva de riscos à saúde e ao patrimônio, na medida em que o defeito ou vício de uma atividade normalmente desenvolvida pode sim acarretar danos e prejuízos ao consumidor adquirente de uma cadeira de transporte de crianças em veículos (“bebê conforto”) com problemas no sistema de engate ao cinto de segurança ou aquele que compra um veículo com defeito no sistema de frenagem, a título de exemplos.

A adoção de dispositivos do Código Civil em favor do consumidor não se dá apenas quanto ao direito de reparação de danos, pois é possível, em situações específicas, a aplicação do prazo prescricional de 10 anos imposto pelo art. 205 do CC, como regra geral, no lugar da prazo quinquenal do art. 27 do CDC.

Ao finalizar, repita-se que andou bem o legislador quando inseriu no CC o parágrafo único do art. 927, pois veio a se harmonizar com o CDC no que se refere à obrigatoriedade de se indenizar por dano causado a outrem não se fazendo necessário perquirir acerca da existência de culpa para a referida reparação, bastando a comprovação do liame de causalidade entre o defeito do serviço e o evento danoso experimentado pelo consumidor.

4 – Analisar a Apelação nº 0135970-03.2006.8.26.0053, de acordo com as indagações lançadas na pergunta anterior.

Resp.: O referido acórdão discorre acerca de diversos assuntos abordados na questão anterior, os quais serão destacados a seguir:

a) Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que a vítima é consumidor equiparado nos termos do art. 17, do Código de Defesa do Consumidor, pois o acidente de consumo atingiu terceiro;

b) Utilização da prescrição quinquenal, disposta no art. 27, do CDC, pois havendo divergência entre o Código Civil e o CDC, deve se aplicar a lei mais favorável ao consumidor – diálogo das fontes, pois quando existentes normas diferentes para tratar de um mesmo assunto, se deve mesclar as regras protetivas dos dois sistemas, para que ao final o consumidor seja efetivamente protegido;

c) Responsabilidade solidária da CPTM e da Protege pelo dano ocorrido, a primeira, pois o acidente de consumo ocorreu em suas instalações, a segunda, pois o acidente de consumo ocorreu em face da atividade desta;

d) A responsabilidade é objetiva por tratar-se de atividade de risco (art. 927, do CC) e por se tratar de acidente de consumo, atingindo um consumidor equiparado. A Protege é uma empresa que transporta altos valores de instituições financeiras. Portanto, a atividade por ela exercida é evidentemente de risco. Aplica-se, portanto, a teoria do risco criado, cuja responsabilidade do agente é objetiva, nos exatos termos do art. 927, parágrafo único do Código Civil;


e) Fortuito interno: Ocorreu fortuito interno, próprio da atividade negocial da Protege, que por transportar altos valores em logradouros públicos, em locais e horários de grande movimentação de pessoas, cria e corre o risco de lesionar direitos alheios e, portanto, tem o dever de reparar os danos ocorridos.

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