ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA
4º Curso de Pós-Graduação “Lato
Sensu” – Especialização em Direito do Consumidor
MÓDULO 2 - Seminário 15, de 7/8/2014
Decadência e Prescrição no CDC
1.
Quais são as
diferenças fundamentais entre os institutos da prescrição e da decadência no
Código de Defesa do Consumidor?
R:
Prescrição
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Decadência
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- Está prevista no art. 27 do CDC;
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- Prevista no art. 26 do CDC;
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- Atinge a pretensão à reparação;
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- Atinge o próprio direito;
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- Conta-se o prazo do conhecimento do dano e de sua
autoria;
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- Há previsão de 2 (dois) prazos decadenciais, da
constatação do vício aparente:
> Produtos duráveis: 90 dias;
> Produtos não duráveis: 30 dias;
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- A prescrição se aplica ao fato do produto ou serviço
(acidente de consumo);
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- Decadência se aplica ao vício do produto ou serviço;
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- A prescrição requer um direito já exercido pelo titular,
mas que tenha sofrido algum obstáculo dando origem à violação daquele
direito.
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- A decadência supõe um direito em potencial afetado.
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2.
Qual o sentido
da expressão “obstam a decadência” constante do art. 26, §2º, do Código de
Defesa do Consumidor? Há ou não consideração do prazo transcorrido antes da
hipótese legal que obstou a decadência?
R: O § 2º do artigo 26 do
CDC dispõe que a instauração de inquérito civil até seu encerramento e a
reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de
produtos e serviços, até resposta negativa transmitida de forma inequívoca
"obstam" a decadência.
Dessa afirmação (“obstar”),
formou-se uma corrente que hoje vem sendo amplamente aplicada, dispondo que o
prazo disposto no artigo 26 é decadencial, mas que, como prazos dessa natureza
não podem ser suspensos, ou interrompidos, aplicar-se-ia, analogicamente, o
artigo 27 do CDC ou a regra geral do artigo 206 do Código Civil, o que for mais
benéfico para o consumidor. O prazo, portanto, será integralmente devolvido ao
consumidor.
3.
Havendo
hipótese de prazo mais vantajoso ao consumidor em legislação esparsa ou no
Código Civil é possível sua aplicação em detrimento do prazo constante do
Código de Defesa do Consumidor? Em sendo possível, existe possibilidade da
utilização dos mandamentos legais do Código de Defesa do Consumidor e também da
outra fonte Legislativa em diálogo das fontes ou estaria excluída a possibilidade
de aplicação do CDC em optando por outro sistema?
R: Entendemos que, sempre
que for mais benéfico para o consumidor será possível a utilização de artigos
previstos em outras leis que não seja o CDC. Isto porque a própria norma
protetiva ao consumidor prevê, em seu artigo 7º (“Art. 7° - Os direitos
previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções
internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna
ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas
competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito,
analogia, costumes e equidade.”), o diálogo das fontes.
Ensina Fabrício Bolzan: “A
expressão ‘diálogo’ decorre exatamente da relação de influência recíprocas que
se estabelece entre normas como critério de melhor solucionar eventuais
conflitos e com o objetivo de proteger o vulnerável da relação jurídica de
consumo.”.
“Estando respaldado o
Direito do Consumidor por um Direito Fundamental Constitucional, com maior razão
é necessário buscar a conformação da aplicação de todas as leis existentes, sem
exclusão de qualquer delas.” (‘Direito do Consumidor Esquematizado’ – 2ª
edição – Ed. Saraiva – p. 44).
4.
Ocorrendo, como
é comum, danos por fato e vício do produto ou serviço (ou vício de qualidade
por inadequação e insegurança) no mesmo evento, as disposições dos artigos 26 e
27 do Código de Defesa do Consumidor são aplicadas conjuntamente ou há absorção
de um sistema pelo outro?
R: Ocorrendo danos por fato do produto e vício do produto/serviço no
mesmo momento, aplicar-se-á a norma mais benéfica ao consumidor, ou seja, a
disposição de maior prazo absorverá a do prazo inferior.
5.
É possível
falar-se em decadência para acidentes de consumo (fato do produto ou
serviço)?
R: Embora haja doutrina
extensa sobre os institutos da decadência e da prescrição e alguma divergência
jurisprudencial, constata-se que o não reconhecimento do prazo decadencial para
o fato do produto ou do serviço é de caráter formal. Ou seja, o legislador
estatuiu na norma o prazo decadencial
para o exercício do direito de
reclamar (direito subjetivo) do consumidor apenas nos casos de vício do produto
ou do serviço, conforme o art. 26, do CDC.
Nesse sentido, o lapso
temporal para o exercício do direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de
fácil constatação é de 30 (trinta) dias para o fornecimento produtos ou
serviços não duráveis e de 90 (noventa) dias para os considerados duráves,
tendo como início da contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva
do produto ou do término da execução do serviço, conforme o Art. 26, do CDC
E, na inteligência do Art.
27, do CDC é que o legislador tratou dos acidentes de consumo – fato do produto
ou do serviço, segundo o qual estabeleceu o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para a pretensão à reparação pelos danos causados, iniciando a contagem do
prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Por fim, é certo que os
casos de acidente de consumo ocorrem, na grande maioria, posteriormente à entrega
efetiva do produto ou do término da execução do serviço, razão pela qual o
legislador talvez tenha optado em adotar o prazo prescricional de 5 (cinco)
anos, a fim de viabilizar as condições para que o consumidor pudesse pretender
a reparação dos danos materiais e morais, não importando os prazos
estabelecidos de 30 e 90 dias do art. 26, do CDC.
Temos como exemplo de não
reconhecimento da decadência, conforme o excerto do julgado abaixo:
Número do processo:
2.0000.00.479416-3/000/TJ-MG/2005 - Relator: TARCÍSIO MARTINS COSTA -
EMENTA:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DECADÊNCIA - RESPONSABILIDADE POR FATO DO PRODUTO OU
SERVIÇO - APLICABILIDADE DO ART. 27 DO CDC - PROVA
NECESSÁRIA À ELUCIDAÇÃO DA CONTROVÉRSIA - INDEFERIMENTO - CERCEAMENTO DE
DEFESA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO
_________________________________________________________________
O SR. DESEMBARGADOR TARCÍSIO MARTINS COSTA:
Cuida-se de agravo de instrumento interposto
contra a r. decisão de fl. 185, proferida pela MM. Juíza da 1ª Vara Cível da
Comarca de Teófilo Otoni, que, nos autos da ação de indenização movida por
Maria Aparecida de Oliveira em face de Primo Schincariol Indústria de
Cervejas e Refrigerantes do Rio de Janeiro S.A., rejeitou a preliminar de
decadência, bem como indeferiu o pedido de perícia a ser realizada na lata de
cerveja onde teria sido encontrado o réptil, motivo pelo que ajuizou a ação.
Irresignada, pretende a agravante a reforma do r.
decisum, sustentando, em suma, que se trata de reparação por danos
decorrentes de vício do produto e não de fato do produto ou serviço, pelo que
deve se aplicar à espécie o artigo 26, I, do
Código Consumerista, reconhecendo-se a decadência e, via de consequência,
extinguindo o processo com julgamento do mérito, nos moldes do art. 269, IV,
do CPC.
Alega que a realização de perícia na lata de
cerveja, onde supostamente teria sido encontrada a "lagartixa" é de
extrema importância para o esclarecimento das dúvidas existentes, além de seu
indeferimento implicar em vulneração aos princípios constitucionais da ampla defesa
e do contraditório.
Deferida a formação e o processamento do
agravo, foi denegada a suspensividade vindicada (fl. 191).
Contraminuta às fl. 194-200, em evidente
infirmação, pugnando pelo desprovimento do recurso.
Conhece-se do recurso, presentes os
pressupostos que regem sua admissibilidade
...”Extrai-se dos autos que, em 09.09.2002,
a agravada ajuizou ação em face da agravante buscando obter indenização por
danos morais que diz ter suportado em decorrência do consumo de produto por
esta fabricado - cerveja em lata - que conteria um pequeno réptil,
vulgarmente conhecido como "lagartixa".
Regularmente citada, a agravante apresentou
contestação requerendo, preliminarmente, o reconhecimento da decadência, com
base no art. 26 do Código Consumerista e, posteriormente, ao ensejo da
especificação de provas, a realização de perícia técnica na lata defeituosa,
bem como na linha de produção de cerveja.
A digna Juíza da causa, analisando os
pedidos, deixou de acolher a preliminar, por entender que não se trata de
reclamação por vício do produto ou serviço, mas sim por fato do produto,
aplicando-se ao caso o disposto no art. 27 do Código de Defesa do
Consumidor, bem como considerou prejudicada a realização de perícia, dado
o extenso decurso de tempo entre o evento danoso e o ajuizamento da ação
principal. Essa a decisão agravada.
Quanto à prejudicial de decadência, tenho
que merece ser mantida a r. razão atacada.
É que o art. 26 da
Lei 8.078/90 cuida das
hipóteses de vícios do produto ou serviço, o que não é o caso, devendo ser
aplicado à espécie o art. 27 do mesmo diploma legal que trata da reparação
pelos danos causados pelo fato do produto ou serviço.
Há, portanto, que se distinguir o que
o Código de Defesa do
Consumidor assentou chamar de "responsabilidade pelo fato do
produto ou serviço", prevista nos arts. 12 a 17, que não se confunde com
a "responsabilidade pelo vício do produto ou serviço", regulada nos
artigos 18 a 25 da lei consumerista.
A responsabilidade pelo fato do produto ou
serviço decorre da exteriorização de um defeito, não só capaz de frustrar a
legítima expectativa do consumidor quanto a sua fruição, mas também que lhe
pode causar riscos à saúde e à incolumidade física, tratando-se de vício de
qualidade que gera insegurança, implicando um acidente de consumo.”...
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6.
Cada grupo
deverá escolher um acórdão para comentar durante os debates.
R: Acórdão escolhido: Antônio Moreno x Banco do Brasil
Apelação nº 0026001-65.2008.8.26.0576 – Comarca de São José do Rio Preto
Autor ingressou com ação no
Juizado Especial Cível em face do Banco do Brasil por conta de débitos
automáticos de conta de eneriga elétrica, não autorizados, em sua conta
corrente, em nome de terceiros, que ocorriam desde 1°/3/1997 e se estenderam
até dia 31/05/2003.
O banco réu alegou
decadência e, também, a não aplicabilidade das normas consumeristas ao fato.
O autor, por seu turno,
pediu a condenação do réu por danos materiais e morais.
O Juízo de primeiro grau
julgou parcialmente procedente o pedido do autor, condenando o réu pelos danos
materiais, a serem restituídos de maneira simples e não condenando pelos
morais, por entender que os descontos ocorridos na conta corrente do autor não
passaram de mero transtorno.
O banco apelou requerendo a
reforma da sentença que o condenou à indenização de danos materiais, sob o
argumento de que ocorreu a decadência; já o autor ingressou com recurso adesivo
requerendo a condenação do réu pelos danos morais.
Foram apreciadas as teses
apelativas:
Reconheceu-se tratar-se típica
relação jurídica de consumo envolvendo instituição financeira, um banco, e um
consumidor, pessoa física, conforme preceituam os arts. 2° e 3° do CDC (v.
Adin. 2591 e Súmula 297 – STJ).
Não ocorreu a decadência,
porque não há vício do produto, uma vez que produto algum foi adquirido. Trata-se,
sim, de fato do serviço, uma vez que objetiva a reparação dos danos suportados.
Sendo assim, o instituto aplicável é o da prescrição, com prazo de 5 anos,
contados da data em que o autor teve conhecimento do dano e da sua autoria
(teoria da “actio nata”), nos exatos termos do art. 27, do CDC.
O marco inicial, então,
para a contagem da prescrição, foi em 1º/7/2003, quando o autor tomou
conhecimento do evento danoso e pediu o cancelamento do débito automático. A
pretensão do autor surgiu a partir dessa data e se estendeu até julho de 2008.
A ação foi ajuizada dentro desse prazo, em 14.05.2008, faltando quase dois
meses para a ocorrência da prescrição.
No mérito foi julgado o
apelo, conferindo ao autor a indenização por danos morais (R$ 12.000,00), uma
vez que houve ofensa aos direitos de personalidade e confirmando a sentença
quanto aos danos materiais (R$ 7.891,66), entretanto, a restituição deverá ser
em dobro e corrigida, nos termos do art. 42, do CDC.
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